quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Treplica in Julgamento Paralelo

Caros colegas e caro João Guerra,

Depois da última intervenção, do nosso colega João Guerra, que mais se assemelha a uma réplica, cabe-me agora a mim apresentar a necessária treplica.

Antes de mais, quero dizer ao João que não tem que agradecer, pois fi-lo na convicção de contribuir para um maior aprofundamento dos conhecimentos de todos nós.

Assim sendo, o meu caro colega após a sua primeira citação, vem relembrar-nos e explicar-nos a diferença entre a fase de admissão a concurso e a fase de adjudicação, portanto duas fases pré-concursais, para no seguimento da sua teoria, que diz que a providência cautelar de suspensão de eficácia do acto "usa-se mais no âmbito dos concursos públicos", sustentar que a alínea b) do Art. 112º n.º 2 CPTA se aplica e bem à fase de admissão a concurso e que então a fase de adjudicação deve ser tutelada pela já famosa, alínea a) do mesmo Artigo.

Diz ainda o meu caro colega que eu não cuidei de ver esta distinção entre as supra referidas fases pré-concursais. Sucede que o meu caro colega, com o devido respeito, se precipitou e antes não cuidou de ver os arts. 100º e seguintes CPTA, já mencionados no meu post, que veio a analisar. Ora estes arts., no seguimento do exposto no art. 36º CPTA, são relativos ao "Contencioso pré-contratual", no âmbito de processos urgentes. Não se encaixará melhor na afirmação "usa-se mais no âmbito dos concursos públicos" estes artigos 100º e seguintes CPTA, que a alínea a) do Art. 112º n.º 2? Parece-me que sim e portanto deixo a pergunta novamente, terá o legislador repetido-se vezes sem conta?

Seguindo-se a análise da próxima citação e respectiva crítica construtiva, permita-me o colega fazer um reparo que ao dizer que"urgentes e antecipatórias são todas as providências cautelares", esta sim é uma afirmação "juridicamente incorrecta", porque como sabe o nosso Professor, o Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva entende que as várias alíneas do Art. 112º CPTA se dividem entre antecipatórias e conservatórias. Urgentes de facto todas são, antecipatórias é que não e diferente é dizer que todas elas visam é assegurar um efeito útil à futura sentença, de que a providência dependa.

Quanto à explicação, do porquê de uma providência cautelar de suspensão do acto e do porquê de não usar uma providência do tipo da intimação para a adopção de uma conduta positiva e não querendo tornar esta discussão nem cansativa, nem repetidora, remeto para o que já escrevi no primeiro post do julgamento paralelo e para o que a nossa colega Gisela Andrade muito bem escreve no seu post relativo a este tema.

Queria apenas aqui referir que, a tão preocupante questão em assegurar o"facere" da Administração Pública, ou seja a intimação desta para "desligar as instalações" ficou plenamente assegurado pelo pedido de proibição de executar o acto administrativo, pedido que foi requerido também na providência em questão, nos termos do Art. 128º e 129º CPTA.

O único problema que realmente havia nesta providência cautelar, e que sim podia dar azo a uma improcedência do pedido de decretamento da providência e que o meu caro colega não se lembrou de contestar, foi precisamente o que a contra-interessada REN, muito bem, veio pedir, que foi uma resolução fundamentada de reconhecimento do interesse público, da referida execução da licença.

Mas não se preocupe o meu caro colega, pois o interesse público não é, nem pode ser, uma porta ou uma janela aberta para que todas as actuações da Administração tenham legitimidade, se forem nomeadamente, contra interesses dos particulares, ou dito de outro modo não pode ser um instrumento sempre disponível em actuações que violem claramente interesses ou direitos dos "administrados". No entender do Prof. Doutor Vasco Pereira da silva " a nova lógica de actuação e de funcionamento da Administração Pública, que não tem apenas de cumprir a lei e de realizar o interesse público mas também, simultaneamente, de respeitar e garantir os direitos dos indivíduos" e afirma mesmo o citado autor que "pode-se mesmo fazer a afirmação (excessiva) de que o "interesse público não existe", já que o interesse público não oferece uma "solução pré-determinada" para todas as decisões administrativas" e acrescenta que o interesse público "seja o resultado da ponderação e da composição de interesses divergentes".

Queria ainda referir que, pedir a um Tribunal que condene a Administração, para sempre, a não
"voltar a imiscuir-se dessa sua obrigação", ou mesmo "obstar de forma mais rígida às futuras violações em matéria ambiental", sugestões que o colega faz, ao dizer precisamente que uma providência do tipo da alínea f) assegurava melhor essa questão e os direitos violados é absolutamente contrária ao princípio basilar da separação de poderes, ou seja não se pode recorrer contenciosamente para os Tribunais Administrativos com o intuito de condenar a Administração a actuações futuras, pois foi precisamente por essa"promiscuidade entre os poderes" que ocorreu no passado, que o Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva "deitou o contencioso administrativo no divã da psicanálise". Os Tribunais não se podem imiscuir na actividade da Administração Pública e acresce que dado que as providências cautelares tem sempre carácter provisório e de dependência em relação à acção principal, tal ideia de definitividade e prevenção, condenando a Administração a não praticar acções futuras não faz qualquer sentido. Aconselho a leitura do Livro "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise" do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva.

O caro colega João alega que eu rejeito a tese de que o acto, como o da licença em causa, era inexistente. Em abono da verdade, tal é falso, e como se pode ver pela citação que o colega faz das minhas palavras (quando refiro que um acto em teoria inexistente), facilmente se demonstra que eu até "dou de barato" que ele seja inexistente ou mesmo ineficaz. O que eu digo e repito é que tal consideração não é unânime na doutrina e é mesmo sujeita às mais diversas interpretações, facto que em sede de julgamento não "joga" em nosso favor, como já havia referido. Mais grave ainda e aí sim consideração que eu rejeito por completo, é aquela que o colega diz que, pelo facto de um acto ser ineficaz, não está sujeita a uma providência cautelar de suspensão da eficácia do acto, porque ele em teoria é ineficaz. Deixei ainda a este título uma questão, que o colega não respondeu, que foi aquela na qual me questionava, se pelo mesmo raciocínio, um acto, que em teoria é inexistente, como o colega concluiu, se também ele não está sujeito a uma acção de impugnação de acto administrativo? E perguntava mesmo mais se tal raciocínio não era no mínimo uma total desprotecção da tutela jurisdicional efectiva?

Compreendo que lhe teria "dado jeito" que eu o tivesse dito e que por vezes deve haver a tentação de "pôr palavras na boca" das outras pessoas, para que, na nossa contestação, melhor se encaixe na doutrina que lê-mos e que vamos usar para contestar, mas bem compreende o colega que a devemos evitar ao máximo, sob pena de a discussão não ser nem útil, nem construtiva.

Acresce que, a meu ver dizer que a AIA é uma formalidade essencial, como eu disse, ou dizer que é uma exigência material, como diz o colega, tal é fazer um "jogo de palavras" ao qual não irei escrever nem uma palavra. Apenas esclarecer que por formalidade essencial não está em causa a questão do carácter formal ou material da mesma e que mais uma vez em abono da verdade, o que eu escrevi foi que a consideração da Declaração de Avaliação de Impacto Ambiental como acto administrativo suscitava em mim algumas dúvidas e tal é legítimo, porque como se pode ver no Livro "Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente", que com toda a certeza o caro colega já leu, é uma questão que não é unânime na doutrina. Adicionar imagem

Quanto à questão da eficácia ou ineficácia do acto, com produção ou não produção de efeitos, ou seja com energia já a circular ou sem energia a circular, penso tal questão estar já devidamente percebida, nas esteira do que tanto a colega Gisela escreve, como do meu primeiro post. Apenas relembrar uma vez mais que a licença em questão, apesar de ilegal, produzia já efeitos externos, ou não passava, nas redes, energia? Não é apenas no exemplo dado, da adjudicação, que há eficácia externa. Mais uma vez sou obrigado a repetir, que em termos teóricos pode-se por a questão, mas que em termos práticos e de protecção dos particulares e lesados, e do seu uso de todos os meios contenciosos ao seu dispor, tal não faz qualquer sentido.

Por fim gostava de referir, que o artigo 134º n.º 3 CPA, mediante uma interpretação restritiva de lei, é geralmente reconduzido às chamadas "invalidades mistas", que são um meio caminho entre a nulidade e a anulabilidade, precisamente por se entender que não se deve conceder essa atribuição de certos efeitos jurídicos a uma invalidade tão gravosa, como a nulidade.

Precisamente por não termos querido que o ente público se possa "apoiar em clausulas abertas", que prosseguimos com a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto, apoiada por um pedido de proibição de continuação da execução do acto.

Não conhecendo intervenções que sejam posteriores à treplica, não mais darei à discussão estes factos, dado que penso já estarem devidamente compreendidos. Sob pena de tal discussão cair no desinteresse e na inutilidade, fico ansiosamente à espera da introdução de novas questões que estejam ainda sujeitas ao debate.


Hugo Santos Ferreira

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