sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

"O Julgamento Negro" the dark side of the law ( :

Em seguimento da sugestão dada pela colega Isabel, de proceder a uma discussão da matéria sujeita a julgamento no blog, denominando-o “julgamento negro”, falarei de algumas sugestões que me parecem pertinentes à luz do caso em apreço.
Em primeiro lugar, refiro que eu já tinha feito um comentário sobre esta mesma simulação de julgamento no mês de Outubro, na qual referi que o expediente jurídico mais adequado para a defesa da população de Lugar de Ermo, seria a impugnação a título principal do acto administrativo em causa (ou seja a licença de construção dos postes de alta tensão), e a título acessório e no âmbito de uma providência cautelar, intimar a administração para a adopção de uma conduta positiva ,ou seja, mandar desactivar as instalações de postes de alta tensão enquanto não fosse proferida uma decisão a título principal.
Penso no meu entender, que será este porventura um expediente igualmente eficaz neste caso. Contudo depreendemos enquanto parte, que uma vez suspensa a eficácia do acto administrativo (licença) a título cautelar, cessaria igualmente o funcionamento das instalações eléctricas, pelo que seria desnecessária a condenação da administração à adopção de uma conduta positiva (desligar a rede).
Pensei no assunto, e hoje tenho algumas dúvidas quanto a este entendimento, não por achar que este procedimento não se aplique ao caso, mas apenas porque penso ser mais adequado uma acção de providência cautelar baseada na intimação para a adopção de uma conduta positiva da administração nos termos do 112ºnº2 f) C.P.T.A, situação em que não restariam dúvidas sobre a obrigatoriedade da administração actuar, no sentido de desactivar as referidas instalações, enquanto correria o processo principal. Mas mais importante, penso que o procedimento de suspensão do acto administrativo se aplica preferencialmente noutras situações, pois neste caso o acto (licença) nem sequer chegou a ser eficaz, pois não foi precedido de prévio estudo de impacto ambiental, que a meu ver era condição da sua eficácia. Sem querer fazer doutrina, chamo á colação uma pequena reflexão sobre esta matéria, pois a eficácia do acto administrativo pressupõe a existência das condições exigíveis para este produzir os seus efeitos, e se não houver efeitos, ou estes estiverem latentes em função da inexistência de um acto anterior que o habilite a produzir, este nem possuí eficácia externa. Esta é a minha humilde posição, que se baseia na posição do Prof. Doutor VASCO PEREIRA DA SILVA. O autor, refere no seu livro que “a decisão de impacto ambiental é condição de existência de um futuro acto de licenciamento” sendo no meu entender interpretado na medida em que é condição de eficácia do próprio acto posterior, pois sem este “pressuposto habilatador” o acto não será portador de efeitos externos nos termos do artigo 51nº1 C.P.T.A.
É certo que estamos perante actos administrativos diferentes (um é o estudo de impacto e outro é a licença), mas não existe eficácia do segundo acto sem a existência do primeiro, o estudo de impacto ambiental é condição de eficácia da licença emitida no momento posterior. É certo que pode haver nulidade do acto (licença) sendo esta eficaz, mas na minha opinião e na situação em análise, o acto é ferido de nulidade mas é ineficaz, pelo que será nestes termos ineficiente a procedência de uma providência com base na suspensão da “eficácia” de um acto que nem sequer chegou a existir.
Repare-se, que a análise do âmbito do 134ºnº1 C.P.A refere que “o acto nulo não chega a produzir quaisquer efeitos”, mas não refere que este “não exista”, e prova disso é o facto patenteado no artigo 134ºnº3 C.P.A que fala da “possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos pelo simples decurso do tempo, a situações de facto decorrentes de actos nulos”. Assim, e a meu ver, esta ideia de “condição de existência” que o Prof. Doutor VASCO PEREIRA DA SILVA faz alusão, visa acima de tudo retirar qualquer tipo de efeito ao acto administrativo “logo à nascença”, quando elaborado sem o prévio estudo de impacto ambiental, protegendo-se de forma mais efectiva o ambiente, evitando que certas licenças sem a prévia avaliação, pudessem eventualmente “existir” e produzir efeitos num momento subsequente por aplicação do 134nº3 C.P.A.
Assim, estamos perante uma licença que é nula, mas mais, é na minha opinião “inexistente” nos tramites em que foi elaborada, não é idónea a produzir efeitos externos, e tal como o Prof. Doutor VASCO PEREIRA DA SILVA refere “a vinculatividade do acto de avaliação interna não se coloca a nível interno do relacionamento entre actos de procedimento, mas sim a nível externo”, razão pela qual aceito a impugnação do acto nulo, e portanto do reconhecimento de que esta não produziu efeitos, mas já tenho dúvidas quanto à aplicação da providência para suspensão da eficácia de um acto, que (na minha opinião) nem sequer chegou a ser eficaz.
Este expediente da suspensão da eficácia do acto, usa-se mais no âmbito dos concursos públicos; p.ex. a situação em que uma proposta é adjudicada, e um dos concorrentes vem impugnar o concurso com base na violação do princípio da imparcialidade no decorrer do mesmo. Nesta hipótese, há a eficácia do acto (adjudicação) e este produz os efeitos inter-partes (entre a entidade pública e o concorrente) existindo eficácia externa nos termos do artigo 51ºnº1 C.P.T.A. Nesta hipótese, fará então sentido que ao lado de uma acção de impugnação do acto com base na sua nulidade 133ºC.P.A, se intente uma providência cautelar sob a forma de suspensão da eficácia do acto (de adjudicação), assegurando-se desta forma o efeito útil da acção a título principal e evitando-se a celebração do contrato, que teria efeitos marcadamente putativos.
Será interessante falar aqui, dos embargos administrativos, que são regulados no domínio do ambiente no artigo 42º da lei de bases 11/87, e que o nosso grupo de advogados ponderou usar, seria quanto a nós mais uma solução viável neste caso, que na minha opinião poderia ser seguida, ou em alternativa, a solução que eu preconizei quando elaborei o post ao comentário do acórdão em Outubro. Aproveito desde já para dizer, que esse mesmo post tem um erro que se prende com o facto de eu ter considerado que a avaliação de impacto ambiental é um parecer obrigatório vinculativo, situação que depois de assistir ás aulas teria de rectificar, pois é um acto administrativo. No entanto, deixo o registo de que esta definição como acto administrativo não é isenta de críticas e de divergências doutrinais, que vêm do tempo do antigo D.L nº186/90 de 6 de Junho.
Em primeiro lugar COLAÇO ANTUNES, que referia que este estudo de impacto ambiental era “um procedimento especial, inserto, mas autónomo do procedimento autorizativo principal”, e encarava-o como um “parecer” para o procedimento principal.
No antípodas desta posição, centrava-se a Prof. Doutora MARIA DA GLÓRIA GARCIA, que defendia a teoria de que era um parecer não vinculativo, pois caso contrário isso originaria um esvaziamento das capacidades do órgão decisor.
Por último, a tese do Prof. Doutor VASCO PEREIRA DA SILVA, que fazendo tal como COLAÇO ANTUNES “jus” à autonomia do procedimento desta avaliação, vai mais longe e refere que este é um verdadeiro acto administrativo, e parece ser este o entendimento que devemos seguir hoje em dia. Não deixa no meu entender, de suscitar algumas dúvidas relativamente a esta matéria, a atribuição da qualidade de acto administrativo a esta avaliação , nomeadamente o facto de ser um procedimento altamente técnico, em que a participação comum dos cidadãos não se adivinha fácil por um lado, e por outro eventualmente inconveniente. Deixa também a meu ver, dúvidas sobre a produção de possíveis efeitos externos como acto administrativo, na medida em que não será fácil num momento inicial depreender quem são os receptores desse acto e que efeitos são produzidos, e por outro lado suscita, quanto a mim, questões de viabilidade da actuação administrativa, que ao considerá-lo como acto administrativo poderá perder a celeridade na forma de actuação, nomeadamente se os particulares o impugnarem.
Voltando ao processo e pelos motivos que referi, penso que poderemos estar a incorrer num erro processual, mas felizmente de pouca importância, primeiro porque o expediente é o da impugnação do acto (licença) invocando a sua nulidade, e em segundo lugar, porque se aplica a providência cautelar, que poderia ser intentada com base no 112ºnº2 f) C.P.T.A em vez do recurso à alínea a) , ou mesmo o recurso a um embargo administrativo nos tramites do artigo 42º lei de bases do ambiente. Lanço desta forma um desafio: será que temos a possibilidade de usar o expediente tipificado no 124º nº1 C.P.T.A, e alterarmos o tipo de providência ainda no decorrer da acção a título principal? A meu ver parece defensável, e de igual legitimidade possuiem os juizes da causa, em uníssono com o mesmo artigo. Quid iuris?

Bibliografia:
VASCO PEREIRA DA SILVA “Verde Cor de Direitos” pág. 163 a 165.

MARIO AROSO ALMEIDA “O Novo Regime do Processo Nos Tribunais Administrativos” pág. 288 a 294.

COLAÇO ANTUNES “O procedimento Administrativo de Avaliação de Impacto Ambiental” pág. 588 a 589.

MARIA DA GLÓRIA GARCIA “Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa” volume XXXIX nº2 pág. 842.

João Guerra

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