terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Contestação da contra-interessada REN

TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE FLORA
2.º JUÍZO
4.ª UNIDADE ORGÂNICA
PROCESSO n.º 3879/07 DABSB


EX.MOS SENHORES JUIZES DE DIREITO,


R.E.N. – Rede Eléctrica Nacional, S.G.P.S., S.A., contra-interessada melhor identificada na acção acima mencionada, em que é Autora a ASSOCIAÇÃO LUGAR DO ERMO e em que é R. o MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DA INOVAÇÃO (doravante identificado por ‘MEI’), tendo sido citada, vem apresentar a sua

CONTESTAÇÃO

O que faz nos termos do n.º 1 do artigo 83º do CPTA e com os fundamentos seguintes:
I
INTRODUÇÃO


Através da presente acção administrativa especial, a A. impugna o acto administrativo de licenciamento de instalação e funcionamento das Linhas de muito alta tensão instaladas no Lugar do Ermo, cumulando-a com um pedido de condenação à restituição da situação anterior à instalação e com um pedido de indemnização no valor de 250.000€, a título de responsabilidade civil extracontratual do MEI.

A contra-interessada REN entende que não assiste à A. fundamento para a procedência da presente acção, como adiante se explicitará.
Senão vejamos,

DOS FACTOS:

Em 06/09/2000, foi celebrado o contrato de Concessão da Exploração da Rede Nacional de Transporte de electricidade no Continente (doravante, “RNT”) entre a REN e o Estado.Português, atribuída àquela pelo Decreto-Lei 182/95 de 27 de Julho, com a duração de 50 anos, contados a partir da data de assinatura do contrato.

Pelo que a actividade de transporte de electricidade é exercida em regime de concessão de serviço público, com exploração da RNT única e exclusivamente pela Requerida, competindo-lhe a gestão técnica global do Sistema Eléctrico Nacional (doravante, “SEN”), nos termos do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, o qual estabelece as bases gerais da organização e funcionamento do SEN, bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição, e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade.

Na qualidade de única operadora da RNT, a REN é responsável por, entre outras funções, “assegurar a capacidade a longo prazo da RNT, contribuindo para a segurança do abastecimento”, de acordo com o disposto no artigo 24º, n.º 1, alínea c) do referido diploma legal.
Em 18/05/2004, a REN apresentou junto da Direcção Geral de Energia e Geologia um pedido de licenciamento de instalação para efeitos de transporte de electricidade na RNT, de uma linha de muito alta tensão de 120KV com comprimento de 10 km, abrangendo a aldeia Lugar do Ermo e as demais povoações confinantes do Concelho de Abandono – conforme cópia que protesta juntar e que consta do procedimento administrativo sob a designação “Processo de Licenciamento n.º 13789 07”.

Naquela mesma data, a REN fez acompanhar o referido pedido de licenciamento do Estudo de Impacto Ambiental, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 69/2002.
Em 12/05/2006, por despacho do Director Geral de Energia e Geologia, foi emitida a licença requerida de instalação para efeitos de transporte de electricidade na RNT, de uma linha de muito alta tensão de 120KV com comprimento de 10 km, abrangendo a aldeia Lugar do Ermo e as demais povoações confinantes do Concelho de Abandono, no âmbito de competências atribuídas aquela entidade nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 139/2007, de 27 de Abril – conforme cópia que protesta juntar e que consta do procedimento administrativo sob a designação “Processo de Licenciamento n.º 13789 07”.

Naquela mesma data, foi o despacho mencionado no artigo precedente notificado a todos os habitantes de Lugar do Ermo, Lugar Perto de Lugar do Ermo e Lugar do Escuro por carta registada com aviso de recepção – conforme cópias que protesta juntar.

10º

Em 14/07/2006, a REN iniciou os trabalhos de instalação da mencionada linha de muito alta tensão, ao abrigo da licença emitida nos termos descritos no artigo anterior da presente peça processual.

11º
Em 18/12/2006, a REN concluiu os referidos trabalhos de instalação, tendo sido efectuada a vistoria pela Direcção Geral de Energia e Geologia e emitida a licença de exploração.
12º
A aldeia de Lugar do Ermo tem apenas seis habitantes, distribuídos por três fogos habitacionais,
13º
Não dispondo de quaisquer infra-estruturas que tornem o local atractivo para turistas, designadamente hotéis, lojas, restauração, diversão nocturna, museus, monumentos, transportes públicos.
14º
Lugar do Ermo não dispõe, ainda, de escola nem de Centro de Saúde.

15º
Não existem estudos científicos que comprovem que os cabos de alta tensão possuam consequências nefastas para o ambiente e a saúde das pessoas, podendo os factos descritos pela A. provir de fenómenos cientificamente provados de auto-sugestão e histeria colectiva.
16º

Vai, assim, impugnada, por não corresponder à verdade, a matéria constante dos artigos 3.º, 4º, 10.º, 11.º, 13.º, 18.º a 22.º, 24.º, 43.º, 50.º, 51.º, 69.º a 74.º e Documento 1 junto à petição inicial (doravante identificada por ‘p.i.’).

17º
A REN impugna, ainda, os factos constantes dos artigos 14.º a 17.º, 23.º e 25.º,da p.i., por desconhecimento, sem que tenha obrigação de os conhecer.
18º

Mais impugna a matéria vertida nos artigos 1.º, 2.º, 5.º a 7.º, 26.º a 42.º, 44.º a 49.º, 52.º a 68.º, 75.º a 80.º da p.i., por se tratar de matéria conclusiva ou de direito.
19º
Admitem-se, por corresponderem à verdade, os factos constantes dos artigos 8.º, primeira parte do artigo 9.º e 12.º.


II
DOS PRETENSOS FUNDAMENTOS DA ACÇÃO

20º
Resulta do petitório que a A. entende que o acto de licença de instalação e funcionamento das linhas de muito alta tensão viola o disposto nos:
(i) Artigos 33º n.º1 e 3 da Lei de Bases do Ambiente e artigos 1ºnº2,conjugado com o anexo I, 20.º n.º 3 do Decreto Lei 69/2000;
(ii) Artigo 267.º n.º 5 da Constituição e Artigos 100.º e 103.º do CPA relativos ao direito fundamental à audiência de interessados;
(iii) Artigos 64.º e 66.º da Constituição respeitantes ao direito à saúde e direito ao ambiente, respectivamente.

21º

A Contra-interessada estruturará a presente contestação obedecendo ao seguinte modelo:
a) Do pedido de declaração de nulidade do acto de licenciamento;
b) Do pedido de condenação do MEI à reconstituição da situação anterior;
c) Do pedido de indemnização por Responsabilidade civil extracontratual do MEI.
22º
Passemos, portanto, à análise dos pedidos da A.:

a) Do pedido de declaração de nulidade do acto de licenciamento e da pretensa ilegalidade do mesmo, designadamente:
b) Da pretensa ilegalidade do acto por ausência de procedimento de avaliação de impacto ambiental.
23º
A A. afirma peremptoriamente na sua p.i. a inexistência do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental, obrigatória para o licenciamento da instalação e funcionamento das linhas de muito alta tensão, invocando para este efeito o disposto no artigo 1.º e numero 19 do anexo I, do Decreto-Lei 69/2000, de 3 de Novembro Maio e subsequentes alterações.
24º
De tal raciocínio erróneo, extrai a A. a nulidade da Licença.
25º
Com o devido respeito, tal afirmação não procede de facto nem de direito, como se poderá observar pelo infra exposto.
26º
A REN dedica-se, entre outras actividades no âmbito do sector da energia, ao transporte de electricidade, tendo para o efeito uma concessão do Estado Português em regime de serviço público e exclusividade, a qual inclui a construção, operação e manutenção da RNT.
27º
Neste sentido, actualmente, a Requerida é a responsável pelo transporte de energia eléctrica em aproximadamente 1590 quilómetros de linhas de 400 kV, 3.080 quilómetros de linhas de 200 kV e 2.431 quilómetros de linhas de 250 kV.
28º
Ora, do exposto resulta que a REN é perfeita conhecedora das condicionantes da atribuição de licenças de instalação e construção de linhas de muito alta tensão.
29º
Acresce ao exposto que a REN, tendo na sua estrutura societária capitais públicos, prossegue o interesse público, globalmente considerado, o qual sempre se sobrepõe aos interesses económicos por vezes alheios às questões ambientais actualmente tão prementes.
30º
Assim, em 18/05/2004, a REN deu entrada na Direcção Geral de Energia e Geologia, porque autoridade competente, de um pedido de Licença para instalação e construção de linhas aéreas de muito Alta tensão de 120Kv de potência e 10 km de comprimento, abrangendo o Concelho de Abandono (povoações de Lugar do Ermo, Lugar Perto de Lugar do Ermo e Lugar do Escuro).

31º
A REN fez acompanhar o referido pedido de licenciamento do Estudo de Impacto Ambiental, por ser exigível para a construção em questão a realização de procedimento de Avaliação do Impacto Ambiental, considerando o disposto no artigo 1.º n.º3 e alínea b) n.º3 do anexo II do Decreto-Lei 69/2000 e subsequentes alterações.
32º
Com efeito, as linhas de muito alta tensão que se pretendem construir têm 120 kV e, no que toca à sua instalação e funcionamento no Lugar do Ermo, trata-se de uma área sensível, visto que é uma área da Rede Natura 2000, classificada como área sensível nos termos do artigo 2.º, alínea b), ii) do referido diploma legal.
33º
O aludido pedido foi correctamente instruído, tendo a Requerida junto, para efeitos de Avaliação do Impacto Ambiental (doravante referida por ‘AIA’), o Estudo de Impacto Ambiental (doravante referido por ‘EIA’), de acordo com o preceituado no artigo 12.º n.º1 do Decreto-Lei 69/2000 e subsequentes alterações (cfr. Documento que se junta em anexo e dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).
34º
Em 21/05/2005, a DGEG remeteu à Agência Portuguesa do Ambiente o Estudo de Impacto Ambiental, conforme o disposto no artigo 13.º n.º 1 do Decreto-Lei 69/2000 e subsequentes alterações (cfr. processo de AIA a fls...no processo administrativo).
35º
Assim, foi nomeada a respectiva comissão de avaliação que, em 23/06/2005, solicitou à REN uma reformulação do projecto por forma incluir a possibilidade das linhas de muito alta tensão serem subterrâneas, de acordo com a competência conferida no artigo 13.º, n.º 5 do Decreto-Lei 69/2000 e subsequentes alterações.
36º
Não obstante tal reformulação do EIA poder comprometer a capacidade económica da REN, esta reformulou o projecto conforme o solicitado.
37º
A comissão de avaliação procedeu, por conseguinte, à declaração de conformidade do EIA e, em 24/07/2005 reencaminhou para parecer às entidades públicas para apreciação do Projecto, nomeadamente ao Ministério da Defesa e Instituto Português de Arqueologia.
38º
Em 07/08/2005, a comissão de avaliação nomeada publicou no jornal semanal de Concelho do Abandono o anúncio do qual constava o Procedimento de Avaliação do Impacto Ambiental, com todos os elementos necessários constantes no artigo 14.º, n.º1 do Decreto-Lei 69/2002 e subsequentes alterações.
39º
Apenas um habitante do concelho de Lugar do Ermo se pronunciou contra a construção subterrânea por poder implicar o desvio do seu poço de água, tão necessário para desenvolver a actividade agrícola.

40º
Todos as autoridades públicas consultadas emitiram parecer favorável, ao contrário do Instituto Português de Arqueologia que emitiu a 27/08/2005 um parecer negativo, atendendo a que a passagem subterrânea iria destruir considerável património arqueológico de 1400 A.C.
41º
Este instituto referiu também que, mesmo com um ligeiro desvio das linhas, o facto da construção subterrânea implicar movidas de terras do subsolo implicaria também danificação do identificado património.

42º
Assim, em 30/11/2005, a comissão de avaliação, nomeadamente tendo em conta o parecer negativo supra referido, emitiu parecer favorável condicionado à construção aérea das referidas linhas.
43º
A proposta de Declaração de Impacto Ambiental que continha parecer favorável condicionado foi então remetida ao Ministério do Ambiente para emissão de Declaração de Impacto Ambiental no prazo de 15 dias contados da recepção da proposta, tal como resulta do artigo 18.º do referido diploma legal.
44º
Ora, tendo o Ministério do Ambiente recepcionado a proposta em 02/12/2005 e não tendo dito nada até à presente data, produziu-se deferimento tácito passados 120 dias, de acordo com o disposto no artigo 19.º, n.º1, do mencionado Decreto-Lei .
45º
Deste modo, em 04/03/2006 produziu-se acto tácito de Declaração de Impacto Ambiental favorável.
46º
Por conseguinte, a Licença de instalação e funcionamento emitida em 12/05/2006 pela DGEG foi manifestamente legal, tendo concluído e respeitado, e porque vinculativo, todo o procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental.

47º
A A. invoca ainda na P.i (reformulada) nos artigos 46º, 47º e 48º a nulidade do acto administrativo com fundamento em falta de notificação da Associação Lugar do Ermo para se pronunciar em sede de audiência de interessados.

48º
Para este efeito, refere a extensão subjectiva do direito de participação ocorrida pelo disposto no artigo 8.º do CPA e artigos 1.º n.º2 e 2.º n.º1 da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto relativa ao Direito de participação procedimental e de Acção Popular.

49º
A REN não coloca em questão a natureza da formalidade da audiência, que corresponde a um direito dos interessados, com dignidade e assento constitucional.
50º
Não obstante, cumpre interrogar se a falta de audiência da associação, havendo audiência de pessoa directamente interessada prejudica, ou não, a validade jurídica da decisão do procedimento.
51º
A este propósito refira-se o entendimento de Mário Esteves de Oliveira e Outros: “No máximo, deve, pois, considerar-se a formalidade como não essencial (ou só relativamente essencial) geradora de invalidade apenas quando se pudesse afirmar ter sido redundado em prejuízo do exercício consciencioso e prudente do direito de audiência." (Código do Procedimento Administrativo comentado, 2ª edião, Almedina, p.456).

52º
Reportando-nos agora ao caso em apreço, verificamos que os interessados, os habitantes do concelhos abrangido pela instalação das linhas de muito alta tensão foram notificados para se pronunciarem em sede de audiência de interessados, tal como disposto no artigo 9.º da presente peça processual.

53º
Assim, não houve “prejuízo do exercício consciencioso e prudente do direito de audiência”, pois os concretos seis interessados, que correspondem aos visados pelos interesses que a Associação do Lugar do Ermo prossegue foram devidamente notificados para exercerem o seu direito.

54º
Por conseguinte, a formalidade cuja violação a A. alega é não essencial, traduzindo-se numa mera irregularidade não geradora de invalidade, pelo que o acto administrativo não deverá ser declaro nulo, também por esse motivo.


55º
Ainda que assim não se entenda – hipótese que apenas se coloca por cautela de patrocínio - e, por conseguinte, se declare nulo o acto impugnado, a condenação da Administração à reposição da situação existente anterior ao mesmo sempre deverá improceder, uma vez que o cumprimento dos deveres a que seria condenada originaria um excepcional prejuízo para o interesse público, bem como constituiria uma violação do Princípio da Proporcionalidade, constitucionalmente consagrado, nos termos melhor descritos infra.

56º
Ainda que assim não se entenda – hipótese que apenas se coloca por cautela de patrocínio - e, por conseguinte, se declare nulo o acto impugnado, a condenação da Administração à reposição da situação existente anterior ao mesmo sempre deverá improceder, uma vez que o cumprimento dos deveres a que seria condenada originaria um excepcional prejuízo para o interesse público, bem como constituiria uma violação do Princípio da Proporcionalidade, constitucionalmente consagrado, nos termos melhor descritos infra.

B) Do pedido de condenação do MEI à reconstituição da situação anterior:
57º
A actuação da Administração Pública está, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, da C.R.P., vinculada ao princípio da proporcionalidade, o qual está também consagrado no artigo 5.º, n.º 2, do C.P.A.

58º
O princípio da proporcionalidade pelo qual deve pautar-se a actuação da Administração Pública significa que esta não está apenas obrigada a “prosseguir o interesse público – a alcançar os fins visados pelo legislador –, mas a consegui-lo pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições jurídicas dos particulares” (Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra 1997, p. 103).

59º
Na “análise do princípio apontam-se habitualmente três subprincípios: de necessidade, de adequação e de racionalidade ou proporcionalidade stricto sensu” (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2000, p. 207 e João Caupers, Direito Administrativo, Editorial Noticias,1996 p. 68).

60º
A vertente “necessidade” do princípio da proporcionalidade, significa que a lesão das posições jurídicas dos interessados tem que se mostrar necessária ou exigível (ou seja, por qualquer outro meio não conseguir satisfazer o interesse público visado).

61º
Por outro lado, a vertente da proporcionalidade stricto sensu impõe, segundo Mário Esteves de Oliveira e outros, que “a lesão sofrida pelos administrados deve ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (proporcionalidade custo/benefício)” – cfr. Código de Procedimento Administrativo Comentado, Almedina, p. 104.
62º
Assim, determinar a reposição do terreno nas condições originais sem esgotar as possibilidades de legalização da instalação e funcionamento da linha de muito alta tensão em causa nos autos, violaria o princípio da proporcionalidade, presente no artigo 5.º do CPA e artigo 266.º da CRP.

63º
Ainda a propósito desta questão, refira-se, ainda que a titulo meramente exemplificativo porque fora do âmbito de aplicação sub judice, o artigo 106.º n.º2 do RJUE: “a demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou alteração”.
64º
Ora, tanto a demolição/remoção dos postes que sustentam a linha de muito alta tensão como a reposição do terreno nas suas condições originais podem ser evitadas “sempre que a legalidade possa ser reintegrada através de medida menos onerosa para o particular” (Cfr. André Folque Ferreira in A ordem municipal de demolição de obras ilegais, p.21).
65º
Aliás, tem-se entendido que o artigo 106.º n.º 2 do RJUE “impõe à Administração um dever de legalização de todas as obras conformes ou susceptíveis de se virem a conformar com as normas legais e regulamentares, não podendo ordenar a demolição se a legalização for possível.” – cfr. Direito do Urbanismo e das Autarquias Locais, CEDOUA.FDUC.IGAT, p. 115 e 116.
66º
De acordo com este entendimento, o referido preceito configura a demolição e a reposição do terreno nas condições originais com contornos de último recurso pelo que, antes de se recorrer a esta medida, importa averiguar da susceptibilidade de legalização da edificação.
67º
Nestes termos, a Administração só pode determinar a demolição ou a reposição do terreno nas condições originais em caso de impossibilidade de assegurar a conformidade da edificação com as disposições legais e regulamentares aplicáveis.
68º
Como já oportunamente se referiu, a declaração de nulidade do acto e a posterior reposição da situação jurídica anterior existente, por comportar a desactivação das linhas de muito alta tensão, implicará um grave prejuízo para o interesse público.
69º
Com efeito, a remoção das linhas por impossibilitar o transporte de energia operado entre a barragem de Lake Ermo e os concelhos do Abandono e outros limítrofes, implicará o não abastecimento de energia eléctrica a povoações cujo total ronda as 5000 pessoas.
70º
A não realização desta tarefa, à qual a Administração encontra-se constitucionalmente adstrita, significará a não concretização e cabal protecção de direitos fundamentais como o direito à qualidade de vida, na medida em que as povoações não beneficiarão de luz e água quente, direito ao ensino e direito à saúde pois não estão reunidas as condições de segurança e salubridade
71º
Assim, verifica-se que com a paragem de funcionamento das linhas e consequente remoção das mesmas, violar-se-ão direitos fundamentais, prejudicando-se o interesse público.
72º
Acrescente-se que, sendo a energia eléctrica transportada por estas linhas de alta tensão, produzida por energia renovável hidráulica, uma vez que provém da barragem do Lake Ermo, enquadra-se na concretização da Estratégia politica com expressão constitucional de Desenvolvimento Sustentável.
73º
Mais se acrescente que tal facto, para além de não respeitar o direito do consumidor à energia eléctrica, tarefa fundamental do Estado para prossecução do interesse público, importará igualmente uma subida dos preços da electricidade na medida em que a oferta será evidentemente menor.
74º
No caso em apreço, a reposição da situação anterior à emissão da licença de instalação e funcionamento da linha de muito alta tensão implicaria a paragem do transporte e fornecimento de energia eléctrica destinada ao Concelho de Abandono e a remoção/demolição dos postes edificados, o que acarretaria uma inegável regressão no desenvolvimento sustentável das povoações afectadas e da região globalmente considerada,
75º
O que prejudicaria excepcionalmente o interesse público inerente à promoção da qualidade de vida e desenvolvimento sustentável de tais povoações, em violação do preceituado no artigo 45.º do CPTA,
76º
Impedindo-as de beneficiar de um bem essencial como é, nas sociedades hodiernas, a energia eléctrica, pilar fundamental para a construção e desenvolvimento de infraestruturas de educação, saúde pública, recreio, cultura e para os cuidados básicos de tais povoações.
77º
Regressar ao status quo ante seria condenar indefinidamente aquelas povoações ao subdesenvolvimento social, económico e cultural, o que deve ser levado em devida conta.
78º
Acresce que tal sacrifício seria desproporcionado face à necessária tutela dos bens jurídicos protegidos – o ambiente e a saúde dos seis habitantes de Lugar do Ermo -, atendendo a que outras soluções sempre se afigurariam como passíveis de serem adoptadas, designadamente o realojamento de tais habitantes em qualquer das outras freguesias do Concelho de Abandono, a uma maior distância dos cabos de alta tensão.
79º
Dessa forma, os diversos interesses públicos e particulares em confronto seriam compatibilizados, com menor prejuízo para todos e cada um.
80º
Face ao exposto, verifica-se que a condenação da Administração à reposição da situação anterior existente em virtude de sentença que declare a nulidade do acto, configurará um grave prejuízo para o interesse público.
81º
Neste sentido, segundo Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “quanto ao grave prejuízo para o interesse público, ele apenas deve ser reconhecido em situações limite, muito excepcionais, de claro desequilíbrio entre os interesses em presença, nas quais se possa realmente afirmar que os prejuízos que, para a comunidade, adviriam da realização da prestação devida são claramente superiores ao sacrifício que para o interessado representa a não satisfação do seu direito.”(Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, paginas 808 e 809, Almedina, 2005).
82º
Por conseguinte, estamos perante uma situação de modificação objectiva da instância contemplada no artigo 45.º n.º 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, extensível à acção administrativa especial por força do preceituado no artigo 49.º do CPTA, sendo uma causa legitima de inexecução pela Administração da sentença declarativa de nulidade nos termos do artigo 163.º do CPTA.
83º
Com efeito, encontra-se reunido o pressuposto de “excepcional prejuízo para o interesse público” para obstar à execução da sentença declarativa de nulidade, justificando-se por isso, no caso em apreço, um sucedâneo económico que poderá no limite respeitar a um valor que possibilite um realojamento dos 6 habitantes distribuídos por 3 fogos, à semelhança do que aconteceu na história verídica de “aldeia da luz”.
84º
Ao que sempre se acrescenta que uma decisão desta douto Tribunal no sentido de ordenar a demolição do edificado nos termos peticionados pela A. traduzir-se-ia numa violação do Princípio da Separação de Poderes, cujo berço é a própria Constituição da República Portuguesa (artigo 111.º), por representar uma inaceitável ingerência na função administrativa.
85º
Em idêntico sentido, FREITAS DO AMARAL apresenta reservas quanto à possibilidade de reconstituição natural no domínio das acções de responsabilidade administrativa, “com base no princípio da independência da Administração activa perante os tribunais” (Direito Administrativo, lições policopiadas. Vol. IV, Lisboa, 1988, pp. 287 e 288).

C) Do pedido de indemnização por Responsabilidade civil extracontratual do MEI

86º
Prosseguiu a A., na sua p.i., peticionando a condenação do MEI no pagamento de uma indemnização no montante de € 250.000,00, a título de responsabilidade civil extracontratual, subjectiva ou, ainda que assim não se entendesse, objectiva.
87º
Bem sabe a contra-interessada REN que, “no quadro de relações jurídicas multilaterais de ambiente (...) podem surgir situações de responsabilidade administrativa por acção” (VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, p. 258, Almedina, 2003).
88º
No caso em apreço, o acto administrativo impugnado produziu efeitos (senão jurídicos, caso se entenda que o mesmo é nulo, pelo menos materiais) em relação a terceiros, sendo abstractamente susceptível de gerar uma situação de responsabilidade civil da Administração relativamente aos particulares afectados nos seus direitos fundamentais.
89º
Os pressupostos da responsabilidade civil subjectiva da Administração Pública em matéria ambiental são: (i) o facto ilícito, (ii) a culpa, (iii) o prejuízo, (iv) o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo (VASCO PEREIRA DA SILVA, ob. cit., pp. 257 e seguintes).
90º
Quanto ao requisito da culpa, esta significa a “imputação de uma lesão do ambiente a um sujeito administrativo, quer em resultado de uma actuação individualizada de um órgão ou agente, quer decorrente do mau funcionamento de um serviço público” (ibidem, p. 260).
91º
Relativamente ao prejuízo, a fronteira entre “danos admissíveis e danos insuportáveis” é ténue, sendo que a indemnização nunca poderá ultrapassar o limite do razoável (ibidem, pp. 260 e 261).
92º
Acresce que, no caso em apreço, ainda que se encontrassem verificados tais pressupostos, o que só se admite por hipótese de raciocínio – facto ilícito, culposo e prejuízo -, certamente não se verificaria o nexo de causalidade entre o facto e os prejuízos, porquanto existe todo um conjunto de circunstâncias externas que podem ter contribuído para a produção dos alegados prejuízos, isoladamente ou em concurso com o funcionamento da linha de muito alta tensão, designadamente:
93º
As condições meteorológicas, passíveis de terem originado movimentos migratórios das aves e patologias víricas cujos sintomas se aproximem de cefaleias;
94º

O estado das águas que abastecem o Lugar do Ermo, cuja contaminação deverá ser uma hipótese a ter em conta;
95º
Os hábitos de vida dos habitantes de Lugar do Ermo, passíveis de justificarem os sintomas alegados pela A. se atentarmos nos escassos períodos de repouso diário dos mesmos e na pobreza da dieta alimentar que praticam, em virtude da situação de isolamento em que se encontram e das dificuldades económicas que, por isso, atravessam;
96º
O histórico de saúde familiar da criança alegadamente afectada por uma patologia de foro oncológico, designadamente a existência de outras pessoas da família afectadas, no passado, pela mesma doença.
97º
Ainda que se entenda ser de aplicar uma “presunção de causalidade” adequada, não poderão ser desconsideradas as concretas circunstâncias que envolvem os alegados prejuízos e que, com elevado grau de probabilidade, os causam, por forma a descobrir a verdade material da causa e obter a boa decisão da mesma.
98º

Sem prescindir, realce-se que a existir responsabilidade, no caso sub judice, do MEI pela prática do acto administrativo impugnado, sempre seria uma responsabilidade civil pela prática de um acto lícito que impôs encargos excepcionais aos concretos particulares afectados pela instalação e funcionamento da linha de muito alta tensão, nos termos previstos no artigo 9.º do D.L. n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, demonstrado que ficou o cumprimento dos trâmites legais do procedimento.
99º
Acresce que o n.º 3 do artigo 48.º da Lei de Bases do Ambiente estabelece o pagamento de indemnização especial somente no caso de impossibilidade de reconstituição natural, e nunca cumulativamente.
100º
Sendo de rejeitar o pedido de reconstituição matéria no caso em apreço, restaria a possibilidade de condenação do MEI no pagamento de uma indemnização, nos termos legais.

Ainda, sem prescindir,
101º
Quanto ao pagamento da referida indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual objectiva do MEI, não poderá este douto Tribunal olvidar-se do facto de a A. ser uma associação de direito privado que impulsionou os presentes autos enquanto defensora do direito ao ambiente, à saúde e qualidade de vidas dos seis habitantes de Lugar do Ermo.
102º
Nessa medida, actuando embora legitimamente ao abrigo dos quadros constitucional e legais vigentes, não deixará a referida associação, salvo o devido respeito, de ir demasiado longe ao peticionar o pagamento de uma indemnização de € 250.000,00 que ingressará no seu próprio património, sem qualquer garantia de ressarcimento dos alegados danos provocados ao nível das posições jurídico-subjectivas individuais dos concretos habitantes de Lugar do Ermo.
103º
Efectivamente, verifica-se a “confusão entre a tutela objectiva da legalidade e do interesse público, que é realizada pela acção popular, e a tutela jurídico-subjectiva, para a defesa dos direitos ou interesses próprios, que é realizada pelo direito de acção dos titulares de direitos subjectivos“nos termos dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (VASCO PERERIRA DA SILVA, ob. cit., p. 270).
104º
Confunde a A., assim, o seu direito de exercer a acção popular no intuito da defesa da legalidade e do interesse público, enquanto legitimidade de agir em juízo, com o ressarcimento de um dano que, a verificar-se, não se verificou na sua esfera jurídica.
105º
Por serem individualmente identificáveis os concretos lesados, não faz qualquer sentido que a referida indemnização, a ser atribuída, o seja ao actor popular que, nessa medida, enriquecerá o seu património à custa de uma lesão na esfera jurídica individual daqueles habitantes.
106º
Igual raciocínio se aplica no caso de se tratar unicamente da defesa do interesse público, porquanto, mesmo nessa situação, não se compreende o enriquecimento do património de uma associação de âmbito territorialmente delimitado à custa de uma alegada lesão do ambiente que afecta toda a comunidade.
107º
Pelos argumentos supra expostos, deve improceder, também, na totalidade, o pedido de condenação do MEI no pagamento de indemnização à A., a título de responsabilidade civil extracontratual.



NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS,
deverão ser julgados improcedentes, por não provados,
os pedidos formulados pela A. na petição inicial, com as devidas consequências legais.


JUNTA: Procuração, comprovativo de pagamento de taxa de justiça inicial, comprovativo do pagamento da multa processual correspondente ao segundo dia útil de atraso na apresentação da presente peça processual e duplicados legais.

VALOR: o da acção.
DILIGÊNCIAS DE PROVA:

TESTEMUNHAL
Requer-se, nos termos do art. 118.º, n.º 2 do CPTA, a audição das seguintes testemunhas a apresentar pela parte:
1) Marlene Paiva, casada, Engenheira, residente em Palma de Cima, 54, Lisboa;
2) Lourivânia Soares, solteira, Médica, residente na Rua Com Saída, n.º 3, Lisboa;
3) João Lobo de Carvalho, casado, agricultor, residente na Rua Única, casa 2, Lugar do Ermo, Concelho de Abandono.
P.E.D.
Os Advogados,
Carlos Vaz de Almeida
Cristiana Ferreira
Gisela Andrade
Cláudia Pereira Quintino
(assinaturas e carimbos)

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