quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Contestação do MP

Tribunal Administrativo e Fiscal de Flora
Processo n.º 3879/07 DABSB
(V/ Rfa.: 00001)


Exmo. Juiz de Direito:


Ministério do Ambiente, com sede na Rua do Século, n.º 51, 1200-433 Lisboa, representado em juízo pelo Ministério Público, doravante identificado como MP, notificado de douta petição inicial apresentada pela Autora, vem, nos termos do art. 83º CPTA, apresentar a sua

CONTESTAÇÃO

O que faz nos termos e fundamentos seguintes:


1) Pressuposto Processual - Legitimidade do MP

1.º
Nos termos do art. 51º do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), “Compete ao Ministério Público representar o Estado, defender o Estado, defender a legalidade democrática e promover a realização do interesse público, exercendo, para o efeito, os poderes que a lei processual lhe confere.”.

2.º
A lei processual, isto é, o CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos), confere ao MP a representação do Estado nas acções sobre contratos e de responsabilidade civil, nos termos no seu art. 11º, independentemente, in caso, de representar o Ministério do Ambiente ou o Ministério da Economia e Inovação e mesmo a Direcção Geral de Geologia e Energia, o órgão que praticou acto impugnado.

3.º
No mesmo sentido discorre o Ilustre Juiz-Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha ao afirmar que “Uma outra atribuição do MP consiste na representação processual do Estado (...). Note-se que o MP não representa os ministérios e as entidades administrativas que devam figurar demandados nos processos de contencioso administrativo, pelo que, como se depreende do segmento inicial do artigo 11.º, o patrocínio judiciário do MP circunscreve-se às acções de responsabilidade civil ou sobre contratos em que o Estado seja parte, e não abrange as demais formas de acção” (in “Dicionário de Contencioso Administrativo”, Almedina, pág. 384).



O Ministério Público, foi nos presentes autos citado em representação do Ministério do Ambiente.


2) Pressuposto Processual - Legitimidade da Associação Lugar do Ermo


Entende o MP que a A., não poderá invocar levianamente e apenas quando lhe convém, ambicionando proveito em sede de responsabilidade extracontratual, do regime previsto na Lei 83/95 de 31 de Agosto, Direito de participação procedimental e de acção popular, uma vez que não se encontra vertido o necessário “interesse processual em agir”, considerando as palavras do Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva “só se está perante a acção popular quando a actuação dos indivíduos e dos grupos em causa não se destine á satisfação de um interesse próprio (ou seja, quando estes não possuam um interesse próprio na demanda) (in Responsabilidade administrativa em Matéria de Ambiente, Principia, pág 49).


O interesse próprio da Associação Lugar do Ermo deriva, como a própria designação denuncia, da localidade onde foi constituída e onde residem os seus associados, directamente interessados no licenciamento ora impugnado.


Mais se refere na citada obra (pág 50), no que concerne ao art.º 22º da Lei 83/95, que “se se trata da lesão de direitos comuns a vários titulares, não individualizados mas individuallizavies – e então não se trataria de acção popular, mas de acção juridico-subjectiva” e ainda que, “não se percebe para quem vai a indemnização fixada globalmente, pois a lei não o diz e não parece fazer muito sentido que ela caiba ao autor popular (que assim enriquecia o seu património à custa de uma lesão do ambiente, que afecta toda a comunidade”).


Nestes termos e observado o disposto na alínea d) do n.º 1 e o n.º2 do artigo 89º do CPTA deve o Ministério do Ambiente ser absolvido da instância.


Caso não se atenda ao anteriormente exposto, refira-se que, nos termos do artigo 3º da lei n.º 83/85 de 31 de Agosto, constitui requisito da legitimidade activa das associações “o incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objectivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de acção de que se trate”.

10º
A autora até ao presente momento não juntou os seus estatutos, pelo que se requer ao douto tribunal se digne ordenar a notificação da autora para vir juntar aos presentes autos os seus estatutos, sob pena de ilegitimidade nos termos do artigo 89º n.º 1 alínea d) CPTA.

Pressuposto Processual - Legitimidade do Ministério do Ambiente.

11º
Quanto a legitimidade passiva, caberá ao douto tribunal determinar qual a entidade pública que licenciou o acto impugnado.


12º
Não sendo impugnado qualquer acto da competência do Ministério do Ambiente ou de um seu órgão, ao qual seja o mesmo acto imputável, deve o mesmo ser liminarmente absolvido da instância nos termos do já citado d) do n.º 1 e o n.º2 do artigo 89º, observada a previsão exposta no n.º 2 do artigo 10º, ambos do CPTA.

13º
O Ministério Público não prescinde do exposto no 3º articulado da presente contestação.

I.
Dos Factos

14.º
É verdadeiro o doutamente alegado pela Autora nos seus artigos 8º e 9º.

15.º
Não corresponde à verdade o descrito em todos os artigos constantes da Introdução (artigo 1º a 8.º), bem como os artigos 10º a 13º, o artigo 16º, 20 e 21º.

16.º
Desconhece a entidade demandada se os factos descritos nos artigos 14º a 19º e 22º a 26º correspondem à verdade, pois não tem a obrigação de os conhecer.


III.
Do Direito

17.º
A Autora solicita o pagamento de uma quantia de 250.000,00 Euros, a título de indemnização por responsabilidade civil subjectiva, nos termos do art. 22º da Lei 83/95, de 31 de Agosto.

18.º
E à cautela, caso não seja dado provimento à tese anterior, solicita o pagamento da quantia anterior a título de indemnização por responsabilidade civil objectiva, nos termos do art.º 23º da mesma lei anteriormente referida.

19.º
A autora fundamenta as suas pretensões por existir no caso sub iudice violação dos interesses previstos no art. 1º da Lei n.º 83/95, em especial do direito ao ambiente, qualidade de vida e saúde pública.

20.º
Salvo o devido respeito, que é muito, não assiste razão à autora.

21.º
Dispõe o art. 22º n.º 1 que “A responsabilidade por violação dolosa ou culposa dos interesses previstos no artigo 1.º constitui o agente causador no dever de indemnizar o lesado pelos danos causados”.

22.º
E, enquanto norma geral, dispõe o art. 2º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Dezembro de 1967 que “O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.

23.º
Como refere o Prof. Vasco Pereira da Silva “A responsabilidade por facto ilícito culposo (vide o art. 2º e segs. do D.L. 48051) «é uma responsabilidade subjectiva, baseada na culpa» (Freitas do Amaral), que assenta nos clássicos pressupostos de facto ilícito, culpa do agente, prejuízo e nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo (in “Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, 2001, pág. 257).

24.º
Já concedeu o MP na sua pronúncia à providência cautelar, que ocorreu ilicitude bem como culpa, uma vez determinada a imputação do acto impugnado.

25.º
No entanto, e salvo melhor opinião, não se verificam os restantes pressupostos.

26.º
Mas salvo o devido respeito, a instalação das linhas de transporte de alta tensão da REN não causaram quaisquer danos à população do Lugar do Ermo,

27º
por Alta Tensão (AT), nos termos da alínea a) do n.º 3 do Decreto-Lei 29/2006 de 15 de Fevereiro que estabelece as bases gerais de organização e funcionamento do sistema eléctrico nacional (SEM) entende-se “a tensão entre fases cujo valor eficaz é superior a 45kV e igual ou inferior a 110 kV”

28.º
pois como se refere num estudo elaborado pelo Centro de Economia Ecológica e Gestão do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa em 2000 e encomendado pela ERSE (Entidade Reguladora do Sector Eléctrico), que ora se junta como Doc. 1 e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais, os maiores danos causados por esta actividade são ao nível de intrusão visual (vide, em especial, o quadro constante da página 77).

29.º
E este tipo de danos, salvo melhor opinião, não são acautelados pela Lei n.º 83/95.

30.º
Ainda nos termos desse estudo, “A alteração do cenário local é evidente. O impacte será maior nos casos de linha de maior tensão, em que os postes apresentam uma maior dimensão. O impacte também será mais relevante no caso de locais com maior valor paisagístico e em que seja mais difícil a integração visual da estrutura.” (pág. 69)

31.º
Ora não existem, de forma patente, a verificação destas duas condições porque estamos perante linhas de alta tensão e, como veremos de seguida, a Encosta de São Marcos não está abrangida por nenhuma área abrangida.

32.º
Invoca também a autora que instalação dos postes de alta tensão provocou danos irremediáveis para o direito ao ambiente, devido a um profundo desequilíbrio do ecossistema (vide art. 21º e 50º da douta p.i.),

33.º
bem como para a actividade turística, pois estava-se perante um destino turístico preferencial que recebia 20.000 turistas por ano, e na sequência da instalação dos postes verificou-se um decréscimo de 20% da actividade turística.

34.º
O pressuposto destes danos é a classificação do lugar do Ermo, sito na Encosta de S. Marcos, freguesia de S. Marcos e município de Sintra, como área de interesse nacional pela Rede Natura 2000.

35.º
Mais uma vez não assiste razão à autora.

36.º
O município de Sintra é parcialmente abrangido, no âmbito da Rede Natura, por um Sítio de Interesse Comunitário, nos termos do anexo I da Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/97, de 5 de Junho e do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de Abril, já alterado pelo Decreto-Lei n.º 49/2005.

37.º
O referido Sítio de Interesse Comunitário não abrange a freguesia de S. Marcos e, consequentemente, o Lugar do Ermo, conforme se pode verificar da análise dos mapas que ora se juntam como Doc. 2 e 3 e se dão como reproduzidos para todos os efeitos legais.

38.º
E à cautela, note-se também que o Lugar do Ermo não está abrangido pelo Parque natural de Sintra-Cascais, como se pode verificar da análise do mapa que ora se junta como Doc. 4 e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.

39.º
Em consequência, e sem pôr em causa a beleza inata do Lugar do Ermo, tem-se sérias dúvidas no profundo desequilíbrio provocado no ecossistema...

40º
Facto que de modo algum foi patenteado ou demonstrado.

41.º
Por último, e ainda quanto aos danos, invoca ainda a autora violação da saúde pública e qualidade de vida.

42.º
Desde logo, note-se que a entidade demanda coloca sérias dúvidas a um aumento tão exponencial e súbito de cafaleias e cancros,

43.º
pelo que desde já se requer ao douto Tribunal a realização de perícias de modo a averiguar do correcto diagnóstico das doenças de que padecem os habitantes do Lugar do Ermo.

44.º
Como referem diversos estudos científicos das mais importantes entidades internacionais neste domínio, e que ora se juntam como Doc. 4 e 5, não existe uma relação de causalidade entre este tipo de instalações e eventuais doenças sofridas pelos habitantes nas áreas circundantes, inclusivé crianças.

45.º
O mesmo é referido pelo estudo já junto aos autos como Doc. 1.

46.º
E não poderiam esses mesmos danos terem sido provocados por outros campos electro-magnéticos, como electrodomésticos ou telemóveis?

47.º
E ainda que a autora invoque que “A relação de causalidade no domínio ambiental é igualmente de difícil verificação”, pelo que se terá de recorrer “a «regras da probabilidade» (Gilles Martin)” (Vasco Pereira da Silva, obra citada, pág. 261 e 262)

48.º
tal não opera no caso sub iudice porque os estudos já juntos dizem que há uma fraca causalidade e o uso das regras de probabilidade terá de ser contrabalançado por uma adequada repartição do ónus da prova, inexistindo presunções de causa de dano ambiental (Ana Perestrelo de Oliveira, “Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental” Almedina, Parte II e III).

49º
Não colhendo frutos, como supra se pretendeu demonstrar, as alegações de ilicitude ou de conduta culposa padecem de inconcludência probatória; pretende ainda a A. operar a convolução da responsabilidade civil em responsabilidade pelo risco...

50.º
Logo, a título subsidiário veio a A. invocar a responsabilidade administrativa objectiva, que está regulada no art. 8º do DL n.º 48051, de 21 de Dezembro de 1967 e no art. 41 da LBA.

51.º
Ora, como já dissemos anteriormente, a actuação da Administração não causou qualquer ofensa de direitos ou interesses descritos na Lei n.º 83/95, não concedendo o supra exposto em matéria de ilegitimidade processual,

52.º
nem causou prejuízos que se considerem especiais ou anormais, uma vez que não ultrapassam os custos próprios da vivência em sociedade (na definição de Carlos Alberto Fernandes Cadilha , obra citada, pág. 205) ou sequer danos significativos.

53º
Existindo risco, a sua esfera é permitida sob uma caução de legalidade, de consentimento, de ponderação pelo beneficiário que poderá eventualmente, como no caso em apreço e sem conceder, ser também o não excessivamente afectado...

54.º
Mas, para além disso, o instituto da responsabilidade objectiva no domínio do direito do ambiente não se encontra actualmente em vigor porque a norma do art. 23º da Lei de Acção Popular “não resolve sequer (o antes tratado) problema da fixação do quantitativo da indemnização, pelo que parece ser uma norma tautológica e desnecessária” (Vasco Pereira da Silva, obra citada, pág. 271)

55.º
e o art. 41º da LBA carece ainda de regulamentação, e como tal não é aplicável, como bem defendem Pereira Reis (“Lei de Bases do Ambiente – Anotada e Comentada” pág. 88 e 89) e Pedro Gonçalves (“Os Meios de Tutela perante os Danos Ambientais provocados no Exercício da Função Administrativa”, Lúsiada, pág. 73).

56.º
Se não fosse intenção do legislador criar um regime específico para a responsabilidade objectiva por actos de gestão pública, bastava que ele remetesse para o regime constante do Código Civil, até porque os respectivos regimes jurídicos não são muito distintos (Vasco Pereira da Silva, obra citada, pág. 265),

57.º
A menos que se considere que o legislador olimpicamente ignore o regime de responsabilidade ambiental por actos de gestão privada, constante do Código Civil (CC),

58º
onde, são estabelecidos limites, quanto ao quantum indemnizatório por danos causados por instalações de energia eléctrica (art.os 508º a 510º do CC).

59.º
O que seria estranho, para não dizer mesmo, bizarro!

60.º
Finalmente se sublinha que, caso se apure responsabilidade objectiva, seja apenas entidade operadora de rede (conforme definição legal plasmada na alínea n) do n.º 3 do Regulamento de Operação das Redes da ERSE), a REN – Rede Eléctrica Nacional, SGPS responsabilizada por qualquer risco inerente à sua actividade de “direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega de energia eléctrica”(Art.º 509º n.º 1 do CC), pela qual se deve encontrar, segurada, conforme decorre do art.º 75º do Decreto-Lei 29/2006 de 15 de Fevereiro e 43º da LBA,

61º
Seguro de responsabilidade civil, já previsto e exigível em concreto, nos termos vertidos no Decreto-Lei 172/2006 de 23 de Agosto, aplicável a licenciamentos anteriores (art.º 72º), observado o disposto nos seus artigos 27º e 28º, e no que concerne à REN em particular o disposto na Base II do seu Anexo I e na Base XXV do seu Anexo II.

62º
Face ao exposto, o Ministério do Ambiente, o Ministério da Economia e Inovação e a Direcção Geral de Geologia e Energia não poderão, salvo melhor opinião, subsumir na presente contenda e no actual ordenamento jurídico português qualquer responsabilidade pelo risco que eventualmente seja apurado.

63º
considerando, inclusive a falta de acolhimento legal da aplicação da teoria da causalidade cumulativa e da responsabilidade solidária de criadores e potenciadores de risco ambiental (Ana Perestrelo de Oliveira, “Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental” Almedina, Parte III e IV).

64º
À cautela, e caso a argumentação invocada são seja acolhida, crê a entidade demandada que o montante da indemnização solicitado pela autora é exagerado, pelo que deve ser superior a 25.000,00 Euros.

65.º
Sob pena de não se ponderar adequadamente os diversos interesses em jogo e não se respeitar “a linha de fronteira «entre danos admissíveis e danos inaceitáveis» (Branca martins da Cruz)”, uma vez que “a solução adoptada pela doutrina e jurisprudência dos países europeus, onde «a reparação integral cede, pouco a pouco, o lugar à indemnização “razoável” do prejuízo” (Vasco Pereira da Silva, obra citada, pág. 260 e 261).

66.º
Por último, condenar a entidade demandada ao pagamento da quantia já referida provocaria um enriquecimento sem causa da autora... (Vasco Pereira da Silva, obra citada, pág. 271).


Nestes termos, e nos demais de Direito que V.Exa doutamente suprirá, deve ser julgada como procedente a excepção de ilegitimidade da autora, o que obsta ao prosseguimento da acção, nos termos do artigo 89º n.º 1 alínea d) CPTA.
Caso assim não entenda o Tribunal, deve ser a entidade demandada absolvida do pedido de 250.000,00 Euros por não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil subjectiva e objectiva. À cautela, sempre se refira que o montante da indemnização solicitado pela autora é exagerado, pelo que nunca deverá ser superior a 25.000,00 Euros.


TESTEMUNHAS:

JUNTA: 5 (cinco) documentos e duplicados legais.

VALOR: 250.000,00 Euros (duzentos e cinquenta mil euros)


Os Procuradores da República,

Maria Isabel de Vasconcelos Cabral Fernandes Marques
Paula Cristina Osório Santos Neves
R.M.A.
André Lucas Pires Ribeiro Soares
Nuno Miguel dos Santos Marques
Luís Manuel Martins Damas




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