segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Ética Ecológica - Do embrião à adolescência

Caros colegas

Esta nova ética ecológica que progressivamente se tem vindo a enraizar na consciência colectiva da Humanidade, teve um caminho longo e por vezes sinuoso.

No entanto, foi a crescente preocupação pelas questões ambientais invocada num primeiro momento por alguns sectores da sociedade civil, aliada à multiplicação de catástrofes com reflexos ambientais, que colocaram os problema do ambiente na agenda politica internacional e funcionaram como pedra de toque para a proliferação legislativa que temos vindo a assistir ao longo dos últimos anos a nível internacional, europeu e nacional.

Assim sendo, no momento em que se conhecem os resultados da recentíssima Cimeira de Bali, nesta minha participação, acompanhando o espírito de liberdade criadora deste espaço, propunha-vos uma abordagem sobre o desenvolvimento desta ética ecológica e como ela se transformou numa realidade à escala planetária.

Tratar-se-á, porventura, de uma abordagem com forte componente filosófica mas que tem o condão de nos conduzir a uma reflexão sobre as implicações que as temáticas ambientais deverão ter no tecido normativo que aos poucos vamos construindo e solidificando.

A imagem de um mundo equilibrado desvaneceu-se. O Homem tem vindo sucessivamente a perder o seu tempo para a reflexão, por isso, converteu-se num paradoxo: somos uma sociedade erudita mas angustiada, que age de forma ignorante.

Esta forma ignorante de agir, adopta particular relevo quando pensamos na temática ambiental e nas agressões que podemos recortar diariamente da actuação humana.

Como sustenta JEAN-MARIE PELT “é preciso reencontrar a natureza”[1], o que passa necessariamente pela interiorização de uma consciência ecológica que renuncie a uma vida vegetativa e instrumentalizada.

Foi esta ideia de reencontro com a natureza por parte da Humanidade, que acabou por ser feita de forma abrupta com a massificação de catástrofes ambientais à escala planetária, que serviu de embrião ao nascimento de uma nova consciência e de uma nova ética ecológica.

Já na primeira grande expressão humana de preocupação com as questões ambientais em 1972, se apelava à necessidade de adoptar princípios comuns que orientassem os povos do mundo na preservação e melhoria do ambiente, como era sustentado pelo principio 4 da Declaração de Estocolmo.[2] [3]

Terá sido, no entanto, dos vinte e seis princípios que constam da Declaração de Estocolmo, o principio 21 aquele que adoptou maior relevância, tendo-se tornado nos anos que se seguiram, no principio basilar do direito internacional do ambiente, referindo que “…os Estados têm o direito soberano de explorar os seus próprios recursos de acordo com a sua politica ambiental e têm o dever de fazer com que as actividades exercidas nos limites da sua jurisdição ou sob o seu controle não causem danos ao ambiente noutros Estados ou em regiões que não se revelem de nenhuma jurisdição nacional.”[4]


Em 1975, na carta de Belgrado, nasce a ideia de uma estrutura global com vista a uma educação ambiental e sustenta-se a necessidade do aparecimento de uma nova ética, “uma ética que defenda atitudes e comportamentos de indivíduos e sociedades consoantes com o espaço da humanidade na biosfera; que reconheça e responda com sensibilidade aos relacionamentos complexos e sempre mutantes entre a humanidade e a natureza, e entre as pessoas.”[5]

Mais tarde, em 1987, é publicado o Relatório Brundtland, denominado “O nosso futuro comum”, que havia sido redigido pela Comissão para o Ambiente e Desenvolvimento, da ONU, criada em 1980 e que ficou conhecido pelo nome do presidente desta Comissão, Gro Harlem Brundtland.

Este relatório reafirma a necessidade de uma mudança nas políticas internas e externas de todas as nações, tendo introduzido pela primeira vez o conceito de desenvolvimento sustentável.[6]

Trata-se pois, da preconização de um novo modelo de desenvolvimento, alicerçado nessa construção de uma nova ética ecológica colectiva, que não desprezando o progresso, aponta para um desenvolvimento que não contemple apenas factores económicos mas que possa dar satisfação às necessidades presentes sem comprometer as gerações futuras.[7]

Partindo deste novo conceito de desenvolvimento, o Relatório Brundland colocou um acento nas preocupações ambientais a nível mundial e provocou um redobrado interesse por estas temáticas em diversos sectores da sociedade civil mundial, essencialmente, nos países desenvolvidos, que se debruçaram sobre os mais variados efeitos que os problemas ambientais acarretariam.[8]

No entanto, face ao constante agravamento da crise ambiental, em 1992, realiza-se no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre ambiente, que ficou conhecida como Conferência do Rio e que adopta o simbolismo de ter sido a primeira conferência à escala internacional após o final da guerra fria e que se tratou de uma Conferência de concretização do conceito de direito sustentável.

Contrariamente ao que havia ocorrido na Conferencia de Estocolmo, a cooperação prevaleceu sobre o conflito, tendo-se adoptado compromissos específicos em determinadas matérias[9], consubstanciados nas duas Convenções, especificamente, sobre Mudança do Clima e Biodiversidade e na Declaração sobre florestas, mas também na introdução da Agenda 21.

A Agenda 21 aparece como uma espécie de guia na implementação desse novo modelo de desenvolvimento sustentável, apresentando indicações quanto à forma como se deveriam utilizar os recursos naturais e salvaguardar a biodiversidade, sem menosprezar a necessidade dos povos em crescerem economicamente.[10][11]

Não obstante o carácter ambicioso da Agenda 21 que abarcava temas fundamentais como a cooperação internacional na luta contra a pobreza, a conservação da diversidade biológica ou o fortalecimento dos agricultores[12], a verdade é que muitas das tarefas fundamentais que este documento propunha ficaram-se pelo papel.

Face a um cenário em que as questões ambientais se tornavam cada vez mais no centro das preocupações internacionais, a comunidade internacional junta-se novamente em Joanesburgo em 2002, na Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável.

Foram muitas as esperanças que se depositaram nesta Cimeira, nomeadamente pelos ambientalistas, no entanto, os resultados alcançados ficaram aquém das expectativas que foram criadas.

Não obstante, da Cimeira de Joanesburgo saíram dois importantes documentos: a Declaração de Joanesburgo em Desenvolvimento Sustentável e o Plano de Implementação, documentos que estabeleceram algumas metas a atingir em diferentes áreas como a agricultura, a água, a biodiversidade, a energia e a saúde.[13]

Cinco anos passados sobre a Cimeira de Joanesburgo, depois de inúmeras catástrofes ambientais que recolocam sistematicamente as agressões ambientais na ordem do dia e nos fazem viver quotidianamente com a ameaça ambiental, após o prémio Nobel da Paz ter sido atribuído ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e a Al Gore, que se notabilizou pelo seu documentário “Uma Verdade Inconveniente” que aborda a questão das alterações climáticas, a comunidade internacional reuniu-se durante onze dias em Bali.

A Cimeira de Bali que ficou marcada por intensas e difíceis negociações, onde os EUA surgiram novamente como o maior entrave ao estabelecimento de um acordo, teve o condão de lançar as bases para um novo tratado de contenção do aquecimento global, a ser concretizado até 2009, incluindo desta feita os EUA.

O Roteiro de Bali, como ficou designado o documento saído desta Cimeira, aponta para um novo acordo que substitua o Protocolo de Quioto e, embora não estabeleça nenhuma meta indicativa para a redução de emissão de gases com efeito de estufa, cita um relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas onde estão definidas essas metas indicativas.

O destaque atribuído à Cimeira de Bali e às suas conclusões por toda a comunidade internacional são a prova, de que uma ética ecológica global começa finalmente a enraizar-se na sociedade mundial.

Os diferentes acordos que desde Estocolmo tiveram por objecto o ambiente, revelam com clareza uma preocupação crescente por parte da Humanidade, em abarcar cada vez mais áreas e em assegurar uma uniformização no desenvolvimento dos países do mundo, esbatendo assimetrias e preservando o futuro do planeta.

Com intensidades diferentes, a verdade é que todos os encontros à escala mundial em que se discutiram questões ambientais tiveram repercussões, quer ao nível das mentalidades, quer ao nível das legislações de diferentes países, tornando-se inegável o crescente grau de comprometimento por parte das nações de todo o mundo na salvaguarda do nosso planeta, de que é prova irrefutável a recente adesão dos EUA ao documento saído da Cimeira de Bali, talvez este crescente grau de comprometimento encontre justificação no facto de, cada vez que pensamos nas consequências das sucessivas agressões ao ambiente e nos riscos que elas representam para a Humanidade, nunca as palavras de John F. Kennedy nos pareceram tão actuais e precisas, quando afirma que “o laço essencial que verdadeiramente nos une é que todos habitamos este pequeno planeta. Todos respiramos o mesmo ar. Todos nos preocupamos com o futuro dos nossos filhos. E todos somos mortais.”



[1] Cfr. JEAN-MARIE PELT, “A natureza reencontrada”, Gradiva Publicações, Lisboa
[2] O principio 4 da Declaração de Estocolmo sustenta que “Cabe ao homem a responsabilidade especial de salvaguardar e de sabiamente gerir o património constituído pela flora e fauna silvestres e pelos respectivos habitats, actualmente postos em perigo por um conjunto de factores desfavoráveis. A conservação da natureza, especialmente da fauna e da flora silvestre, deve portanto assumir lugar importante no planeamento do desenvolvimento económico”.
[3] Embora a Conferência de Estocolmo não tenha força de lei, vinca o imperativo da utilização racional dos recursos, por forma a evitar malefícios gravosos que afectam os ecossistemas, pela sua exploração irracional.
[4] Cfr. Principio 21 da Declaração de Estocolmo.
[5] Cfr. Carta de Belgrado, 1975, 4º paragrafo; esta Carta foca igualmente a problemática da distribuição racional dos recursos naturais, limitados ao nosso planeta e apresenta um objectivo ambicioso de desenvolvimento de bem-estar social e individual tendo em vista os problemas ambientais.
[6] O relatório Brundtland definia o desenvolvimento sustentável como o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações vindouras satisfazerem as suas próprias necessidades”
[7] Das ideias centrais que consubstanciam este novo desenvolvimento, retirava-se, por exemplo, o objectivo de estabelecer as necessidades básicas de toda a gente, dando aos países em vias de desenvolvimento, um papel importante em termos de benefícios, pois seria impossível conceber qualquer ideia de desenvolvimento associado a casos de pobreza.
[8] Refira-se a título de exemplo o alerta lançado pelo Conselho Mundial de Energia e pelo Centro Nacional de Pesquisa Cientifica em 1992, no que respeitava ao problema do consumo de energia, e que colocou no centro da solução as energias limpas e renováveis, como é o caso da energia eólica, solar, das marés, biomassa, etc.: “Se for mantido o actual nível de consumo por individuo, precisaremos de 60% mais energia no ano de 2025 para satisfazer as necessidades decorrentes do aumento de população. Se o consumo por individuo dos habitantes dos países em vias de desenvolvimento aproximar-se daquele dos países desenvolvidos, o aumento deverá ser de 500%”, cfr. CNRS-PIRESM; Conselho Mundial de Energia, in Terra Património Comum, 1992, pag. 248.
[9] A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática na Eco-92 no Rio de Janeiro, foi o culminar de uma série de eventos que se iniciaram com a Toronto Conference on the Changing Atmosphere em 1988, seguida pelo IPCC’s First Assessment Report em 1990 e que estiveram na origem do Protocolo de Quioto, protocolo sobre o qual não nos debruçaremos na presente participação, uma vez que o tema tem sido amplamente debatido e discutido pela comunidade internacional.
[10] O espírito subjacente à Agenda 21 é o mesmo espírito de cooperação entre povos que presidiu à Conferencia do Rio, tal como se retira imediatamente do preâmbulo deste documento quando, em relação às metas ambientais que se pretendiam atingir a seguir a esta conferencia, este refere que “são metas que nação alguma pode atingir sozinha; juntos, porém, podemos - em uma associação mundial em prol do desenvolvimento sustentável.” Cfr. Agenda 21, Capitulo 1.1
[11] O documento que consubstancia a Agenda 21 teve implicações ao nível das politicas ambientais dos diferentes países, sendo que em Portugal a promoção da Agenda 21 foi feita através da inclusão de propostas que constavam deste documento na Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável. Por outro lado, este documento originou o surgimento da Agenda 21 Local em que cada concelho apresenta, discute e desenvolve as suas prioridades em consonância com essa noção de desenvolvimento sustentável.
[12] Os temas fundamentais da Agenda 21 estão organizados em cinco secções e 40 capitulos, tendo as secções por títulos o seguinte: Secção I – Dimensões Sócias e Económicas; Secção II – Conservação e gestão dos recursos para o desenvolvimento; Secção III – Fortalecimento do papel dos grupos principais; Secção IV – Meios de execução.
[13] Um dos aspectos que foi considerado bastante satisfatório nesta Cimeira foi, por exemplo, a aceitação da redução para metade, até 2015, da proporção de pessoas sem acesso a saneamento básico.

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