quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Caros Colegas,

Tendo em conta que a presente situação se trata de uma simulação de julgamento para efeitos académicos, em que o objectivo principal será o da discussão da relação material controvertida, com o máximo e o mais ginasticado aproveitamento de todos os actos processuais praticados, bem como, a intervenção de todos, aqui fica o despacho saneador.



Tribunal Administrativo e Fiscal da Flora


Despacho Saneador


O tribunal é absolutamente competente, e a instância apresenta-se em válida.

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A R. veio invocar a ilegitimidade da A., por não ter aquela provado possuir interesse processual em agir. A R. invoca assim a existência de uma excepção dilatória, obstando ao conhecimento do processo. Os termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 87.º do CPTA, deve ser proferido despacho saneador quando se devam conhecer de questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo. Contudo, não é possível ao tribunal, face aos elementos juntos ao processo, apurar se efectivamente a A. tem legitimidade activa na presente acção.
Assim sendo, notifique-se a A. para juntar as autos os seus Estatutos até ao momento da decisão em primeira instância.

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A A. veio requerer que se considerasse sem efeito a primeira Petição Inicial entregue judicialmente, tendo entregue para tal uma segunda, a qual deveria substituir aquela.
A contra-interessada indicada na primeira Petição Inicial foi citada mas não contestou.
A contra-interessada indicada na segunda Petição Inicial foi citada e contestou tempestivamente.
A R. apresentou contestação.
Cumpre apreciar.

Nos termos do n.º 1 do artigo 296.º do CPC, a desistência da instância depende da aceitação do réu, desde que seja requerida depois do oferecimento da contestação. Ainda, estabelece o n.º 2 do artigo 295.º que a desistência da instância apenas faz cessar o processo que se instaurara. Ora, parece que era este o efeito pretendido pela A., quando requereu que se considerasse sem efeito a primeira Petição Inicial entregue, substituindo-a por uma segunda.
Ao que acresce, o direito processual administrativo, na configuração que resultou da entrada em vigor do CPTA, baseia-se no princípio do “pro actione”. Assim e como se sabe, o princípio do favorecimento do processo ou princípio “pro actione” constitui uma concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça administrativa, que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excessivo formalismo (cfr. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 4ª edição, Almedina, p. 416 e seguintes). Tal princípio encontra-se consagrado no art. 7º do C.P.T.A. sob a designação de “promoção de acesso à justiça”, determinando que, para a efectivação do direito de acesso à justiça, “as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.
Neste sentido, possibilita o artigo 88.º do CPTA a correcção oficiosa de deficiências ou irregularidades de carácter formal pelo julgador.
Como tal, e dado que no n.º 2 do artigo 11.º do CPTA se prevê que o Ministério Público deve representar o Estado, não se referindo a nenhum órgão estatal em concreto, o que acresce o facto de o próprio Ministério Público, no ponto 2.º da sua Contestação, considerar ser indiferente a sua representação relativamente ao Ministério do Ambiente ou ao Ministério da Economia e da Inovação, procede-se ao aperfeiçoamento oficioso daquela contestação, devendo considerar-se que o Ministério Público age no presente processo em representação do Ministério da Economia.
Face ao supra exposto, defere-se o requerimento da A. a fls. 76 e 77, considerando-se sem efeito a primeira Petição Inicial apresentada e dando-se seguimento ao processo com a segunda Petição Inicial entregue pela A. judicialmente.

Notifique-se a A. para, em 10 dias, apresentar nova procuração que inclua os poderes especiais referidos no artigo 297.º do CPC.


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A R. requereu a produção de prova pericial de modo a averiguar do correcto diagnóstico das doenças de que padecem os habitantes do Lugar do Ermo. Sob pena de rejeição do requerimento probatório, notifique-se a R. para enunciar as questões de facto concretas que pretende ver esclarecidas através de tal meio prova, nos termos do artigo 577.º do CPC. Difere-se, assim, para momento posterior, a decisão sobre o deferimento ou indeferimento do requerimento probatório de prova pericial entregue pela R.

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O estado dos autos não nos permite conhecer por ora do mérito da causa pelo que se procede por seguida à selecção dos factos assentes e da base instrutória.

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Matéria Assente:

A) O transporte da energia no território nacional é explorado pela Rede Eléctrica Nacional (REN), concessionária do Estado.
B) A REN colocou, no ano 2006, diversos cabos de alta tensão.
C) Em 06/09/2000, foi celebrado o contrato de Concessão da Exploração da Rede Nacional de Transporte de electricidade no Continente (doravante, “RNT”) entre a REN e o Estado Português, atribuída àquela pelo Decreto-Lei 182/95 de 27 de Julho, com a duração de 50 anos, contados a partir da data de assinatura do contrato.
D) Pelo que a actividade de transporte de electricidade é exercida em regime de concessão de serviço público, com exploração da RNT única e exclusivamente pela Requerida, competindo-lhe a gestão técnica global do Sistema Eléctrico Nacional (doravante, “SEN”), nos termos do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro, o qual estabelece as bases gerais da organização e funcionamento do SEN, bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das actividades de produção, transporte, distribuição, e comercialização de electricidade e à organização dos mercados de electricidade.
E) Na qualidade de única operadora da RNT, a REN é responsável por, entre outras funções, “assegurar a capacidade a longo prazo da RNT, contribuindo para a segurança do abastecimento”, de acordo com o disposto no artigo 24º, n.º 1, alínea c) do referido diploma legal.
F) A REN dedica-se, entre outras actividades no âmbito do sector da energia, ao transporte de electricidade, tendo para o efeito uma concessão do Estado Português em regime de serviço público e exclusividade, a qual inclui a construção, operação e manutenção da RNT.
G) Neste sentido, actualmente, a Requerida é a responsável pelo transporte de energia eléctrica em aproximadamente 1590 quilómetros de linhas de 400 kV, 3.080 quilómetros de linhas de 200 kV e 2.431 quilómetros de linhas de 250 kV.



Base Instrutória:

1.º Os cabos de alta tensão atravessam a povoação de Lugar do Ermo?
2.º Ao abrigo de uma licença de edificação?
3.º Os referidos cabos passam por cima de vários edifícios de habitação bem como de uma escola?
4.º Este licenciamento não foi precedido do necessário estudo de avaliação de impacto ambiental?
5.º O Lugar do Ermo era um destino turístico preferencial, recebendo cerca de 20.000 (vinte mil) turistas por ano, assim como diversos acampamentos de escuteiros?
6.º Desde a instalação das referidas linhas de alta tensão a população tem vindo a queixar-se de mau estar e cefaleias severas?
7.º Há inclusivamente o caso de uma criança a quem foi diagnosticada uma patologia do foro oncológico?
8.º Os estudos científicos afirmam que as crianças que vivem a menos de 100 (cem) metros de uma linha de alta tensão manifestam uma taxa de probabilidade de leucemia 2,7 vezes maior que a generalidade das crianças, havendo ainda muitos estudos que permitem apontar para um maior risco de tumores cerebrais como consequência de exposições aos GEM gerados pelas linhas de alta tensão?
11.º O Centro de Saúde de “Lugar Perto do Lugar do Ermo” registou a partir de 2006 um número anormal de queixosos com cefaleias e náuseas que visitaram recentemente o “Lugar do Ermo”?
12.º As referidas linhas de alta tensão emitem constantes ruídos que impedem o normal descanso da população do Lugar do Ermo?
13.º Em virtude do facto de os campos electromagnéticos gerados pelas linhas de alta tensão constituírem uma ameaça para a saúde de quem lhes fica exposto, decorreu uma desvalorização dos terrenos com aptidão aedificandi, dada a sua menor procura, da ordem dos 80% (oitenta por cento)?
14.º Assistiu-se igualmente a um abandono em massa das aves que mantinham o seu habitat na área, causado pela instalação e funcionamento dos postes de alta tensão?
15.º A ausência de aves provocou um profundo desequilíbrio no ecossistema, havendo uma proliferação de répteis e de insectos?
16.º Devido à multiplicação destas espécies, os habitantes viram as suas casas invadidas por inúmeros répteis e insectos, responsáveis pela transmissão de doenças a animais domésticos e aos seres humanos?
17.º Foram vários os casos de animais domésticos que adoeceram em sequência de ataques de répteis e/ou de insectos?
18.º A actividade turística na zona foi substancialmente afectada, registando um decréscimo na ordem dos 70%?
19.º Os acampamentos dos escuteiros deixaram de se efectuar devido à proliferação de insectos e répteis?
20.º Da actuação da AP resultaram danos irremediáveis para a saúde das pessoas e para o ambiente do Lugar do Ermo?
21.º Em 18/05/2004, a REN apresentou junto da Direcção Geral de Energia e Geologia um pedido de licenciamento de instalação para efeitos de transporte de electricidade na RNT, de uma linha de muito alta tensão de 120KV com comprimento de 10 km, abrangendo a aldeia Lugar do Ermo e as demais povoações confinantes do Concelho de Abandono?
22.º Naquela mesma data, a REN fez acompanhar o referido pedido de licenciamento do Estudo de Impacto Ambiental, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 69/2002?
23.º Em 12/05/2006, por despacho do Director Geral de Energia e Geologia, foi emitida a licença requerida de instalação para efeitos de transporte de electricidade na RNT, de uma linha de muito alta tensão de 120KV com comprimento de 10 km, abrangendo a aldeia Lugar do Ermo e as demais povoações confinantes do Concelho de Abandono, no âmbito de competências atribuídas aquela entidade nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 139/2007, de 27 de Abril?
24.º Naquela mesma data, foi o despacho mencionado no artigo precedente notificado a todos os habitantes de Lugar do Ermo, Lugar Perto de Lugar do Ermo e Lugar do Escuro por carta registada com aviso de recepção?
25.º Em 14/07/2006, a REN iniciou os trabalhos de instalação da mencionada linha de muito alta tensão, ao abrigo da licença emitida nos termos descritos no artigo anterior da presente peça processual?
26.º Em 18/12/2006, a REN concluiu os referidos trabalhos de instalação, tendo sido efectuada a vistoria pela Direcção Geral de Energia e Geologia e emitida a licença de exploração?
27.º A aldeia de Lugar do Ermo tem apenas seis habitantes, distribuídos por três fogos habitacionais?
28.º Não dispondo de quaisquer infra-estruturas que tornem o local atractivo para turistas, designadamente hotéis, lojas, restauração, diversão nocturna, museus, monumentos, transportes públicos?
29.º Lugar do Ermo não dispõe, ainda, de escola nem de Centro de Saúde.
30.º Assim, em 18/05/2004, a REN deu entrada na Direcção Geral de Energia e Geologia, porque autoridade competente, de um pedido de Licença para instalação e construção de linhas aéreas de muito Alta tensão de 120Kv de potência e 10 km de comprimento, abrangendo o Concelho de Abandono (povoações de Lugar do Ermo, Lugar Perto de Lugar do Ermo e Lugar do Escuro)?
31.º A REN fez acompanhar o referido pedido de licenciamento do Estudo de Impacto Ambiental, por ser exigível para a construção em questão a realização de procedimento de Avaliação do Impacto Ambiental, considerando o disposto no artigo 1.º n.º3 e alínea b) n.º3 do anexo II do Decreto-Lei 69/2000 e subsequentes alterações?
32.º As linhas de muito alta tensão que se pretendem construir têm 120 kV?
33.ºO aludido pedido foi correctamente instruído, tendo a Requerida junto, para efeitos de Avaliação do Impacto Ambiental (doravante referida por ‘AIA’), o Estudo de Impacto Ambiental (doravante referido por ‘EIA’), de acordo com o preceituado no artigo 12.º n.º1 do Decreto-Lei 69/2000 e subsequentes alterações.
34.º Em 21/05/2005, a DGEG remeteu à Agência Portuguesa do Ambiente o Estudo de Impacto Ambiental, conforme o disposto no artigo 13.º n.º 1 do Decreto-Lei 69/2000 e subsequentes alterações?
35.º Assim, foi nomeada a respectiva comissão de avaliação que, em 23/06/2005, solicitou à REN uma reformulação do projecto por forma incluir a possibilidade das linhas de muito alta tensão serem subterrâneas, de acordo com a competência conferida no artigo 13.º, n.º 5 do Decreto-Lei 69/2000 e subsequentes alterações?
36.º A REN reformulou o projecto conforme o solicitado?
37.º A comissão de avaliação procedeu à declaração de conformidade do EIA?
38.º E, em 24/07/2005 reencaminhou para parecer às entidades públicas para apreciação do Projecto, nomeadamente ao Ministério da Defesa e Instituto Português de Arqueologia?
39.º Em 07/08/2005, a comissão de avaliação nomeada publicou no jornal semanal de Concelho do Abandono o anúncio do qual constava o Procedimento de Avaliação do Impacto Ambiental, com todos os elementos necessários constantes no artigo 14.º, n.º1 do Decreto-Lei 69/2002 e subsequentes alterações?
40.º Apenas um habitante do concelho de Lugar do Ermo se pronunciou contra a construção subterrânea por poder implicar o desvio do seu poço de água, tão necessário para desenvolver a actividade agrícola?
41.º Todas as autoridades públicas consultadas emitiram parecer favorável, ao contrário do Instituto Português de Arqueologia que emitiu a 27/08/2005 um parecer negativo, atendendo a que a passagem subterrânea iria destruir considerável património arqueológico de 1400 A.C.?
42.º Este instituto referiu também que, mesmo com um ligeiro desvio das linhas, o facto da construção subterrânea implicar movidas de terras do subsolo implicaria também danificação do identificado património?
43.º Em 30/11/2005, a comissão de avaliação, nomeadamente tendo em conta o parecer negativo supra referido, emitiu parecer favorável condicionado à construção aérea das referidas linhas?
44.º A proposta de Declaração de Impacto Ambiental que continha parecer favorável condicionado foi então remetida ao Ministério do Ambiente para emissão de Declaração de Impacto Ambiental no prazo de 15 dias contados da recepção da proposta, tal como resulta do artigo 18.º do referido diploma legal?
45.º O Ministério do Ambiente recepcionou a proposta em 02/12/2005?
46.º Não tendo dito nada até à presente data?
47.º A Licença de instalação e funcionamento emitida em 12/05/2006 pela DGEG?
48.º Os interessados, os habitantes dos concelhos abrangidos pela instalação das linhas de muito alta tensão foram notificados para se pronunciarem em sede de audiência de interessados?
49.º Os concretos seis interessados, que correspondem aos visados pelos interesses que a Associação do Lugar do Ermo prossegue foram devidamente notificados para exercerem o seu direito?
50.º A remoção das linhas por impossibilitar o transporte de energia operado entre a barragem de Lake Ermo e os concelhos do Abandono e outros limítrofes, implicará o não abastecimento de energia eléctrica a povoações cujo total ronda as 5000 pessoas?
51.º É a energia eléctrica transportada por estas linhas de alta tensão produzida por energia renovável hidráulica?
52.º A reposição da situação anterior à emissão da licença de instalação e funcionamento da linha de muito alta tensão implicaria a paragem do transporte e fornecimento de energia eléctrica destinada ao Concelho de Abandono e a remoção/demolição dos postes edificados, o que acarretaria uma inegável regressão no desenvolvimento sustentável das povoações afectadas e da região globalmente considerada?
53.º Existe todo um conjunto de circunstâncias externas que podem ter contribuído para a produção dos alegados prejuízos, isoladamente ou em concurso com o funcionamento da linha de muito alta tensão?
54.º O Lugar do Ermo situa-se num ambiente campestre e rural, sendo património cultural, qualificado como área de interesse nacional pela Rede Natura 2000, nos termos das Directivas Aves e Habitats?



Not. – arts. 102.º e 87.º, n.º 1, alínea c), do CPTA e 511.º e 512.º do CPC; prazos: 5 horas.

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