quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Alegações finais

I. Introdução

A localização do Lugar do Ermo é um facto notório, que não carece de prova, ao abrigo do art.º 514.º, n.º1, do Código do Processo Civil, norma que se aplica por remissão expressa do art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Desta forma, não é suposto fazer-se prova da localização do mesmo em audiência de julgamento, uma vez que é do conhecimento generalizado onde se situa o lugar do Ermo.
Caso contrário, a discussão que seria levada a cabo na audiência careceria de sentido ou se situaria numa esfera de insanidade do Ilustríssimo Tribunal, o que nem sequer como mero exercício académico ousamos conceber. Na verdade, atendendo aos argumentos apresentados pelo Ministério Público que, sem que se perceba a razão - salvo o devido respeito, que é muito -, quer fazer situar o Lugar do Ermo na Encosta de S. Marcos, em Sintra, desde logo o Tribunal teria que ser julgado incompetente, em razão do território.
Competente seria, nesse caso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro e da Portaria n.º 1418/2003, de 30 de Dezembro, e nunca o Tribunal Administrativo e Fiscal do Concelho de Flora, perante o qual os presentes autos correm, por se ter julgado competente para a acção, uma vez que estabelece o art.º 16.º do CPTA que os processos, em primeira instância, são intentados no tribunal da residência habitual ou sede do autor. Ora, a demandante tem sede no Lugar do Ermo.
Como se sabe, a distribuição da competência territorial dos tribunais afecta determinada área geográfica a um tribunal, pelo que não pode ser o mesmo território – in casu, o Lugar do Ermo, simultaneamente afecto à área de competência do Tribunal Administrativo e Fiscal da Flora e do Tribunal Administrativo de Sintra.
O mesmo raciocínio impera ocorrer se tentarmos reconduzir a localização do Lugar do Ermo aos “Açores”, sendo, nesse caso, competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada.

Ainda relacionado com a localização do Lugar do Ermo - que não carece de necessidade de prova -, e que é facto público e notório que está abrangido pela Rede Natura 2000 [por respeito aos dados da hipótese, relembre-se], necessário seria, do mesmo modo, averiguar a localização do mencionado [e igualmente recriado] Concelho do Abandono, que seria um Concelho limítrofe do Concelho da Flora, em que se encontra integrado a localidade de Lugar do Ermo...
Ora, esta discussão [que consideramos ser totalmente infrutífera e desnecessária] poder-se-ia alongar indefinidamente se atentássemos em múltiplos argumentos de facto que consideramos não serem relevantes para a boa decisão do mérito da causa.
Consideramos, outrossim, ser relevante a discussão sobre a existência da lesão de interesses e direitos dos particulares por parte da Administração, quer através do procedimento de licenciamento, quer através da actuação da Concessionária do Estado, a saber, o respeito pela audiência dos interessados, o direito ao ambiente – e correlacionada necessidade de avaliação de impacto ambiental -, à qualidade de vida e à saúde. Relevante será igualmente a ponderação do dano causado pela actuação lesiva e o interesse público que lhe subjaz, à laia de motivação, bem como a consequência da actuação ilegal e lesiva da Administração e dos seus Concessionários. Foram estas as questões que nos propusemos em sede de audiência de julgamento (e durante este trabalho) a analisar, sendo os que consideramos uma contribuição útil para uma cultura de Estado de Direito e de actuação responsável da Administração.

Pelo exposto, a demandante vem, muito respeitosamente, requerer junto do Exmos. Senhores Juízes que compõem o Douto Tribunal a desvalorização de toda a prova relacionada com a questão da localização do Lugar do Ermo, que apenas se pode ter como uma localidade da Freguesia da Fauna, Concelho da Flora, integrando o território português - pelo que se situa sob jurisdição administrativa portuguesa.

Se esta tese não tiver acolhimento junto do Douto Tribunal, o que por mero dever de patrocínio jurídico se admite, então não resta senão à Autora requerer ao Ilustre Tribunal a declaração de incompetência territorial do mesmo para conhecer desta acção.


II. Do Direito ao Ambiente e a respectiva tutela

O art.º 66.º da Constituição da República Portuguesa reconhece como o Direito ao Ambiente na sua vertente objectiva e subjectiva. Com Vasco Pereira da Silva, no Direito do Ambiente, “tanto existem direitos subjectivos das pessoas relativamente ao meio ambiente, no quadro de relações que têm como sujeitos passivos entidades públicas e privadas, como a tutela objectiva de bens ambientais”.

Aliás, numa concepção pragmática da tutela do Direito ao Ambiente outra não pode ser a tese defendida, uma vez que, como defende o citado Autor, “a via mais adequada para a protecção da natureza é a que decorre da lógica da protecção jurídica individual, partindo dos direitos fundamentais, e considerando «que as normas reguladoras do ambiente se destinam também à protecção dos interesses dos particulares, que desta forma são titulares de direitos subjectivos públicos»”.

Por outro lado, o Direito ao Ambiente tem que ser encarado como um Direito Fundamental pois “só a consagração de um direito fundamental ao ambiente pode garantir a adequada defesa contra agressões ilegais provenientes quer de entidades pública quer de privadas na esfera individual protegida pelas normas constitucionais”.

De permitir uma correcta ponderação de todos os valores em presença ao fazer radicar a protecção da ecologia na dignidade da pessoa humana, mediante a consagração de direitos fundamentais, é devidamente reconhecida a dimensão ético-jurídica das questões ambientais.

Assim, não se escamoteia a colisão entre o Direito ao Ambiente e outros direitos constitucionalmente consagrados. Neste caso, trata-se de uma colisão entre “direitos fundamentais e bens jurídicos da comunidade e do Estado”, segundo Gomes Canotilho.

E, como adianta Vieira de Andrade, tal conflito tem que ser resolvido através do método de concordância prática, “para que a Constituição seja respeitada na maior medida possível”.

Vasco Pereira da Silva expressivamente refere que “a protecção jurídica subjectiva, garantida pela Constituição e pelas normas jurídicas, em matéria ambiental, tanto se refere a indivíduos como a associações representativas dos seus direitos ou interesses”.

No entanto, tal concepção subjectiva não pode descurar a tutela objectiva do ambiente, que devem ser igualmente assegurada. Como diz este Autor, “ num Estado de Direito, há que assegurar tanto a protecção subjectiva como a tutela objectiva de bens jurídicos”.

Nos termos da Lei de Bases do Ambiente, são componentes ambientais humanos (“que definem o quadro específico de vida, onde se insere e de que depende a actividade do homem e que é objecto de medidas disciplinadoras com vista à obtenção de uma melhoria de qualidade de vida”- art.º 17.º, n.º 1), a paisagem, o património natural e construído e a poluição (art.º 17.º, n.º3).

Estabelece o art.º 18.º, n.º1, que serão condicionados pela Administração a implantação de construções que, pela sua dimensão, volume ou silhueta, cor ou localização, provoquem um impacte violento na paisagem pré-existente.

Também o património natural e construído deve ser especialmente protegido, ao abrigo do disposto no art.º 20.º do referido diploma.

Por outro lado, a Lei de Bases considera, no art.º 21.º, n.º 1, factores de poluição do ambiente e degradação do território todas as acções e actividades que afectam negativamente a saúde, o bem-estar e as diferentes formas de vida, o equilíbrio e a perenidade dos ecossistemas naturais e transformados, assim como a estabilidade física e biológica do território.

Ora, a instalação e funcionamento dos postes de muito alta tensão afectam todas estas componentes ambientais, como ficou provado em audiência de julgamento.

Para além disto, afecta igualmente a Saúde e integridade física dos habitantes e visitantes do Lugar do Ermo, violando assim direitos fundamentais, que radicam na dignidade da pessoa humana, elemento primordial e último na definição de um Estado de Direito.

Senão vejamos.


III. Da audiência de julgamento


Considerando os factos que resultam, do enunciado e da prova produzida em sessão de julgamento. Releva que:

· Os cabos de alta tensão atravessam a população de Lugar do Ermos (enunciado e prova testemunhal: Selma Rebelo, João Portugal e Carolina Ferreira);

· Não foi emitido parecer do Instituto da Conservação da Natureza (ICN) como testemunhou Selma Rebelo, dirigente responsável por esse parecer,

· Nem deu entrada no ICN qualquer pedido para emissão do respectivo parecer, como confirmou a mesma testemunha,

· Aliás, o alegado estudo de Impacto Ambiental entregue como prova pelos demandados não tem aposto qualquer carimbo de entrada que comprove a sua entrega no ICN, não tendo assim, os demandados comprovado terem cumprido esta diligência legal;

· Não havendo parecer do ICN, não poderia haver qualquer declaração de impacto ambiental legal,

· Pelo que o alegado licenciamento não foi perecido da declaração de impacto ambiental exigida legalmente;

· Foi comprovado pelas testemunhas: Dr. André Paula Santos e Prof. Carolina Ferreira que Lugar do Ermo era um destino turístico preferencial, e que recebia, por ano, um elevado número de turistas de várias idades.

· Do testemunho da Prof. Carolina ficou provado que esta recebia em sua casa, em regime de turismo rural, inúmeros turistas, em busca de contemplação da singular natureza bem como, na sua propriedade se realizavam acampamentos de escuteiros.

· No ano de 2006, após a colocação dos postos de alta tensão e sobretudo desde o seu funcionamento, os turistas deixaram de visitar o Lugar do Ermo, não só pelo incómodo visual daqueles, como também por associarem a estes, sintomas de mau estar e cefaleias severas.

· Aliás, registou-se um decréscimo na ordem dos 70% das visitas turísticas ao Lugar do Ermo.

· Do testemunho do Dr. André concluí-se que existe uma forte correlação entre a passagem de energia alta tensão e o levado número de utentes queixando-se de tais sintomas, quer da população do Lugar do Ermo, como dos visitantes.

· Provado ficou a existência de uma escola em Lugar do Ermo, concelho da Flora, com cinquenta alunos, local de trabalho da testemunha Prof. Carolina Ferreira

· Ainda provado ficou a existência de um centro de saúde em Lugar Perto do Lugar do Ermo, concelho da Flora, onde exerce a sua actividade o Dr. André Paula Santos, testemunha em audiência.

· Dado que a Dr.ª Lourivânia, médica do Centro de saúde do concelho do Abandono, atestou que o mesmo se localizava a 5.000 Km do concelho da Flora, há que desconsiderar o seu testemunho, uma vez que os utentes frequentam os centros de saúde das suas áreas de residência e não viajam 5.000 Km!!

· A mesma Dr.ª atestou ainda que não conhecia quaisquer casos de doença relacionada com a instalação, pelo que não conhecer não implica que não haja no centro de saúde de Lugar Perto de Lugar do Ermo os casos referidos pelo Dr. André, dada a distância entre estes!

· Comprovado pelo relatório médico junto aos autos como documento n.º4 e pelo testemunho da Prof. Carolina está que existe uma criança com uma doença do foro oncológico.

· Ainda ficou provado pelos vários testemunhos a existência de ruído provocado pela passagem da energia pelos cabos de alta tensão sendo que este acarreta distúrbios do sono e da vida quotidiana quer dos habitantes, quer dos visitantes.

· Ficou ainda provado pelo testemunho do Dr. André Paula Santos que existe uma correlação entre esta doença e a colocação da passagem de energia de alta tensão.

· Do testemunho do Sr. João Portugal, agricultor do Lugar do Ermo, resulta que, depois da colocação dos postes de alta tensão, os terrenos circundantes sofreram uma acentuada desvalorização, sendo esta na ordem dos 80%.

· Também deste testemunho, bem como do testemunho da Prof. Carolina Ferreira resultou a prova do abandono das aves, nomeadamente tucanos e papagaios, no seguimento da colocação dos referidos postos.

· Note-se que ao contrário do que tentou alegar o Ministério Público, os tucanos e os papagaios não nidificam nos postes, pelo contrário, debandaram devido à alteração do seu habitat natural.

· É incontestável que estas aves se alimentam de répteis e insectos, logo, com a debandada das aves deu-se uma proliferação daqueles.

· Fico provado que existiu um pedido de licenciamento a 18 de Maio de 2004, requerido à Direcção-Geral de Energia e Geologia, para instalação de postes de alta tensão a ser efectuada pela REN.

· Argumentou a contra-interessada o envio do alegado estudo de impacto ambiental à Agência Portuguesa do Ambiente, TODAVIA, resulta claro de toda a audiência a inexistência deste estudo pelo que o seu envio seja a quem for é completamente impossível.

· É importante sublinhar a irrelevância do depoimento da Eng.ª civil, Marlene Paiva, com competência na área da engenharia civil e confesso desconhecimento na área ambiental.

· Releva ainda o facto de esta Eng.ª ter deliberadamente ludibriado o Douto Tribunal, alegando exercer funções na REN há 15 anos!, o que se nos afigura, salvo melhor opinião, impossível, veja-se que a REN foi criada há somente 13 anos!

· Acresce ainda que esta testemunhou que havia um estudo realizado pelo Ministério da Arqueologia! Ministério que a autora desconhece. Daqui se retira a completa ignorância desta de todo o processo.

· Também resulta provada da audiência de julgamento que a REN não acompanhou o pedido de licenciamento do respectivo estudo de impacto ambiental, obrigatório nos termos do art.12º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 69/2002.

· A 18 de Maio de 2006, a Direcção-Geral de Energia e Geologia, emitiu por despacho a referida licença, TODAVIA, esta não foi acompanhada da respectiva audiência dos interessados.

· Os habitantes de Lugar do Ermo não foram notificados, no âmbito do procedimento de licenciamento, não podendo assim fazer uso do seu direito de audiência.

· A Associação de Lugar do Ermo, sendo uma associação de protecção do ambiente, não foi notificada, no regular cumprimento da lei.

· Não ficou provado em audiência de julgamento que tenha existido uma vistoria aos trabalhos de instalação.

· Não ficou também provado que tenha existido uma Comissão de Avaliação nos termos da Lei de Bases.

· Estando nós no âmbito de um estudo de avaliação de impacto ambiental, o Instituto de Conservação da Natureza, representado neste Tribunal pela Eng.ª civil no ramo de estrutura com especialização académica em património, Selma Rebelo que compõe o quadro de dirigentes deste instituto, provado ficou que este não integrou a dita Comissão, tendo ficado provado que não lhe foi remetido o alegado estudo para futuro parecer.

· Mais, não ficou provada em audiência a publicação do anúncio do qual constava o procedimento de avaliação de impacto ambiental, no jornal semanal de Conselho do Abandono.

· Mas ainda que tal tivesse acontecido, o que se admite por mera bondade de patrocínio, tal não releva uma vez que este Concelho dista 5.000Km do lugar do Ermo, Concelho da Flora, conforme prova testemunhal apresentada pela contra-interessada REN.

· Ainda, ficou clara a não publicação de tal anúncio no jornal semanal do Concelho da Flora, conforme testemunhado pela Prof. Carolina, assinante do mesmo. Sublinhando-se ainda que a notificação através da publicação em editais e jornal, só é admissível quando não se conhece o paradeiro ou a identidade dos interessados a notificar, ou quando o número de pessoas a notificar torne inconveniente outra forma de notificação, o que não é manifestamente o caso.

· A comunicação do acto através de uma publicação só é, pois, constitucionalmente legitima no caso de não se saber a identidade dos interessado ou não se saber o seu paradeiro.

· No caso vertente impunha-se a notificação pessoal ou por via postal do acto, o que não aconteceu neste caso.

· Não ficou provada a existência de uma barragem pelo que não devem proceder a alegada produção de energia renovável hidráulica.

· Ficou também provado que o concelho da Flora, dispunha já de energia eléctrica antes da colocação dos mencionados postes, não sendo portanto beneficiada com esta colocação conforme foi ardilosamente alegado em audiência.

· Não pode proceder o alegado pela contra-interessada REN relativo à regressão no desenvolvimento sustentável das povoações e da região globalmente considerada, na medida em que:

· O desenvolvimento sustentável não se pode fazer com o sacrifício de direitos constitucionalmente protegidos como sejam o direito ao ambiente, o direito à saúde ou o direito à qualidade de vida;

· O facto de ser manifestamente falso que tal remoção provocaria “catástrofes naturais”, como alegado pela contra-interessada;

· Ainda é possível a passagem destes postes por outros locais (no vasto território nacional) onde não afectem populações e a vida animal.



IV. Do direito


- Da legitimidade da entidade demandada

As alegações de direito que ora apresentamos referem-se à audiência de julgamento no âmbito do processo de que são partes a Associação Lugar do Ermo e o Ministério da Economia e Inovação, sendo contra-interessada a REN – Rede Energética Nacional.

Com efeito, atendendo à Petição Inicial apresentada (e considerando que a relação processual é tida em conta tal como configurada pelo autor, segundo o disposto no art. 15º do CPC), e tendo sido deferido o requerimento de desistência da PI inicialmente apresentada (em que era demandado o Ministério do Ambiente) e aceite a subsequente PI (em que é demandado o Ministério da Economia e Inovação), não se pode ter como partes nesta acção senão as supramencionadas.

Por conseguinte, não sendo o Ministério do Ambiente parte na acção, não julgamos haver lugar a alegações quanto à legitimidade processual deste, ao contrário do preconizado nas doutas alegações do MP.



- Da legitimidade da Associação Lugar do Ermo

Estabelece o art.º. 2.º da Lei 83/95, de 31 de Agosto, que gozam “do direito procedimental de participação popular e do direito de acção popular (...) as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior”, figurando entre os expressamente previstos no art.º 1.º, n.º 2 “a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, (...) o património cultural”.

Ora, estes interesses são efectivamente defendidos pela demandante – Associação Lugar do Ermo -, constando expressamente do seu objecto, como consta dos respectivos estatutos, em conformidade com o estatuído pelo art.º 3.º, alínea b) da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.

Saliente-se, contudo, que é considerado pela doutrina que não é exigível que a defesa de tais interesses constem expressamente dos estatutos de tais associações, desde que estas efectivamente desenvolvam as suas actividades com o objectivo de os protegerem. Segundo Vasco Pereira da Silva (Lições de Direito de Ambiente, pág.145), não parece “justificável (lógica ou juridicamente) a restrição de que se dava tratar de pessoa colectiva que inclua «expressamente nas suas atribuições ou nos seus objectivos estatutários a defesa dos interesses» ambientais (constante do art. 3º, alínea b) da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto)”.

Salvo o devido respeito, que é muito, pela douta tese defendida pelos Ilustres Senhores Procuradores, a lei não deixa dúvidas quanto à legitimidade da Associação para intentar esta acção, já que expressamente prevê que “são titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de acção popular as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda.” (sublinhados nossos).

Assim, não tendo a lei sido revogada, e em respeito do princípio geral previsto no art. 9º, nº 2, do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Ora, neste caso, o texto legislativo não deixa margem para dúvidas, pelo que a dita interpretação não pode proceder.

Pelo exposto, tem a Associação Lugar do Ermo legitimidade para a propositura da acção.

Refira-se ainda que a Associação não é constituída unicamente pelos habitantes do Lugar do Ermo, mas sim por centenas de associados provenientes dos mais diversos locais.


-Da licença de edificação e funcionamento da rede eléctrica

Para os efeitos da Lei de Bases do Ambiente, no seu artigo 33.º n.º1 e n.º3, estão sujeitos a licenciamento prévio a instalação e o funcionamento de actividades efectivamente poluidoras. Ainda nos termos deste diploma, no artigo 21.º n.º 1, considera-se poluição todas as acções e actividades que afectem negativamente a saúde, o bem-estar e as diferentes formas de vida, o equilíbrio e a perenidade dos ecossistemas naturais e transformados, assim como a estabilidade física e biológica do território.
O n.º 2 deste artigo refere ainda, que são causas de poluição todas as substâncias e radiações lançadas no ar que alterem temporária ou irreversivelmente a sua qualidade.Resulta que, a colocação dos postes de alta tensão configura este conceito de actividade poluidora, devendo, nos termos do artigo 33º nº1, já referido, estar sujeita ao licenciamento prévio.
A realização prévia do estudo de impacte ambiental é condição essencial no âmbito de um processo de licenciamento de edificação desta natureza, como previsto no artigo 30º n.º1 e n.º3 da Lei de Bases do Ambiente.
Sucede que o referido licenciamento de edificação não foi precedido da respectiva avaliação de impacto ambiental, o que leva à nulidade do acto administrativo que o concedeu, nos termos dos artigos 1º nº 2 conjugado com o nº 19º do Anexo I e do artigo 20º, nº 3 do Decreto-Lei nº 69/2000 de 03 de Maio, bem como do artigo 30º nº 1 e 3 da Lei de Bases do Ambiente. Nulidade que para todos os efeitos legais se invoca.


-Da audiência dos interessados

Por outro lado, nos termos do artigo 100.º do CPA, tem de haver audiência dos interessados, uma vez que não se verificaram nenhum dos pressupostos que leva á sua dispensa e que vêm previstas no artigo 103º do CPA.
Os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, nos termos do artigo 100º do CPA, o que se provou não ter acontecido.
Ainda nos termos do artigo 8º do CPA, os órgãos da administração pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhe disserem respeito, também nos termos da Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular é garantida a prévia audiência das associações defensoras do ambiente e qualidade de vida (artigo 1.º n.º2 e artigo 2.º n.º 1) quando estejam em causa obras públicas com impacto relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações, estando assim previsto no artigo 4.º n.º1 da já referida lei. Deste modo deveria ter sido informada a Associação do Lugar do Ermo, o que resultou claro da audiência não ter acontecido.
Ora, segundo a boa doutrina, a audiência dos interessados é um direito fundamental plasmado no art.º 267.º, n.º 5 da Constituição, pelo que a sua violação determina a nulidade do acto administrativo. Mais uma vez, nulidade que se invoca.



- Da reconstituição da situação anterior à actuação ilegal


O referido licenciamento ilegal provocou danos irreversíveis para a saúde dos habitantes e do ambiente do Lugar do Ermo, consubstanciando-se numa clara violação de direitos a que assiste a todos os particulares, em situação de especial relevo os direitos ao ambiente e à integridade física.
A reparação destes danos não se vê menorizada pela simples declaração da nulidade do acto, pelo que deve a Direcção-Geral de Energia e Geologia ser condenada à prática de todas as operações materiais conducentes à reconstituição da situação existente antes da prática do acto, em conformidade com o disposto no artigo 47.º, n.º 2, alínea b) do CPTA.
Operações estas que, in casu, se consubstanciam pela remoção dos postes de alta tensão ilegalmente instalados, bem como a reposição das condições inicialmente existentes do terreno na máxima extensão possível.
Só assim o status quo ante pode ser tendencialmente restabelecido ou seja só assim se pode repor o ecossistema em desequilíbrio, o direito ao ambiente e à qualidade de vida de todos os habitantes de Lugar do Ermo.


- Da Responsabilidade

Partindo da análise do artigo 40.º da LBA, cuja previsão vai no sentido da indemnizabilidade da ameaça ou lesão dos direitos constitucionalmente conferidos aos cidadãos, seremos necessariamente conduzidos a uma concepção de direito do ambiente como um direito constitucional fundamental que, na vertente que ora releva se consubstanciará numa obrigação para o Estado ou terceiros de se absterem de condutas potencialmente lesivas, potencialmente atentatórias do ambiente.
Esta dimensão negativa, prevista que está no artigo 66.º da CRP confere aos cidadãos individual opu colectivamente o direito de acção judicial com vista á cessação dessas acções e indemnização dos prejuízos causados pela violação, como Gomes Canotilho e Vital Moreira bem sustentam.
Caberá assim pelo exposto ao Estado por meio do Ministério da Economia e Inovação in casu, assegurar o direito a este ambiente humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, nos termos do artigo 2.º da Lei de Bases do Ambiente.
Tendo efectiva e inegavelmente ficado provado o dano causado pelas linhas de alta tensão no Lugar do Ermo, não há outra solução que não a efectiva responsabilização da Administração.
Esta responsabilidade não impende só sobre a Administração, mas também sobre os particulares que actuam em nome e por conta desta, veja-se o exemplo da REN, que desta forma também deve ser responsabilizada pela sua conduta reprovável e danosa.



Pelo exposto e por ter ficado provado pedimos a costumada JUSTIÇA!




Carolina Ferreira
Margarida Oliveira
Selma Rebelo
João Lemos Portugal
Hugo Santos Ferreira
Jorge Carvalho Bernardino
André Paula Santos

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