quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Ambiente e responsabilidade financeira ?

Quando iniciei este curso, só queria as disciplinas de contratação pura e simples. Aliás nem queria o mestrado, somente aquelas disciplinas. Mas como não era “normal”, era uma situação “diferente”, lá me inscrevi no mestrado e em todas as cadeiras, incluindo Direito do Ambiente, porque tinha de ser.

Acabei por até gostar!

Depois pus-me a pensar no que poderia acrescentar a este blog, que já não tivesse sido escrito. Li algumas coisas…pesquisei na net…e deparei-me com um tema que me cativou: responsabilidade ambiental.
A responsabilidade ambiental tem diversas versões: responsabilidade civil, responsabilidade penal, responsabilidade contraordenacional, responsabilidade social…a responsabilidade é de tal ordem que até há seguros de responsabilidade ambiental. É caso para dizer…que, embora tarde, atendendo ao estado do planeta, o cerco da responsabilidade aperta-se cada vez mais.
Mas…no meio de tanta responsabilidade, notei a falta de uma que me é particularmente familiar: responsabilidade financeira.
Não me lembro de ter visto nada sobre isto, por isso perguntei-me…será possível?

Agarrei na lei do órgão responsável pela efectivação da responsabilidade financeira – o Tribunal de Contas (TC) - e fiz o seguinte percurso de reflexão:

É notório que não existe no âmbito das competências do TC nenhuma norma que fale em ambiente, directa ou indirectamente.

Contudo, conseguimos, por um raciocínio lógico perceber que, pode acontecer que o Tribunal de Contas tenha de fazer uma apreciação de questões ambientais.

Vejamos…interessa-nos a este propósito, e a título exemplificativo, as seguintes normas:

“O Tribunal de Contas fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas, aprecia a boa gestão financeira e efectiva responsabilidades por infracções financeiras.”
(artigo 1º da LOPTC )

No âmbito da sua competência material essencial compete-lhe:

“ e) Julgar a efectivação de responsabilidades financeiras de quem gere e utiliza dinheiros públicos, independentemente da natureza da entidade a que pertença, nos termos da presente lei;
f) Apreciar a legalidade, bem como a economia, eficácia e eficiência, segundo critérios técnicos, da gestão financeira das entidades referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 2.o, incluindo a organização, o funcionamento e a fiabilidade dos sistemas de controlo interno. ”
(nº 1, do artigo 5º da LOPTC )

É certo que estas normas nada têm de referência ao ambiente. Mas conseguimos vislumbrar que o ambiente está no âmbito de acção do TC através do direito do ambiente, cujas normas estão incluídas no conceito de legalidade (a palavrinha maravilha que sempre nos ajuda). Mas também conseguimos ver o ambiente dentro do conceito de dinheiros públicos e consequentemente de gestão financeira.

Senão vejamos:

É fácil perceber que, na medida em que haja violação de normas ambientais que se realizem à custa do dispêndio de dinheiros públicos, poderemos ter responsabilização financeira. Pois os dinheiros públicos não podem ser aplicados em actos ilegais.
O ambiente é aqui considerado, não pelo impacto ambiental em si, mas pela ilegalidade e consequente impacto financeiro da acção ilegal. Contudo, para a apreciação da violação de normas de direito do ambiente, poderá ser necessário, consoante a situação de facto, apreciar situações ambientais, ou consultar pareceres ambientais, ou planos que reflictam situações ambientais, para comprovar a violação da norma.


Por outro lado, pode dar-se a situação em que há dispêndio de dinheiros públicos, não no acto ilegal, mas posteriormente ao acto ilegal, para repor o ambiente tal qual existia anteriormente.
Também aqui não se vislumbra que depois de um acto ilegal, devam ser os dinheiros públicos usados para repor a situação. Na verdade quem cometeu a ilegalidade é que deve repor a situação, e, será, em última análise quem autorizou a ilegalidade e/ou quem a praticou. Não devem ser os dinheiros públicos. Aqui, consoante a situação de facto, assim teríamos ou não uma intervenção do TC nesta matéria. Mas ainda que não seja uma situação tão linear como a primeira, considero que é uma possibilidade.

É claro que, tratando-se de matéria de responsabilidade, tudo isto tem de ser articulado com as normas sancionatórias próprias do direito do ambiente, incluindo as penais, e ter em atenção que por trás de cada entidade, e cada órgão, está uma pessoa que é, no limite, o responsável pela decisão que viola a norma ambiental. Acresce na tudo isto as teorias da culpa… Mas isto são reflexões que tornariam esta nota muito longa.


Uma coisa é certa, estragar o ambiente sai caro. Cada atitude que tenha impacto negativo no ambiente poderá ter efeitos negativos para o ser humano e implicar, como consequência, a saída, no futuro, de milhares de euros do erário público para suprir esses efeitos.

Contudo, se na prática é possível responsabilizar financeiramente uma entidade que intencionalmente gasta dinheiros públicos numa acção ilegal contra o ambiente, devido à conexão imediata do gasto com a acção ilegal, já mais difícil será responsabilizá-la pelos impactos que tal acção tenha nos gastos futuros, com as situações que com o tempo vão derivando daquela agressão ambiental, imputável ao agente, que é quem deveria colocar a situação como existia antes, em vez de onerar as entidades publicas. A prova poderé ser aqui determinante.
Mas esta é mais uma ideia.

Na prática tudo se passa em processo de responsabilidade financeira:


“O processo de julgamento da responsabilidade financeira visa tornar efectivas as responsabilidades financeiras emergentes de factos evidenciados em relatórios das acções de controlo do Tribunal elaborados fora do processo de verificação externa de contas ou em relatórios dos órgãos de controlo interno.”
(nº 3, do artigo 58º da LOPTC )



“Da responsabilidade financeira reintegratória (…)
Reposições por alcances, desvios e pagamentos indevidos
1—Nos casos de alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos e ainda de pagamentos indevidos, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável a repor as importâncias abrangidas pela infracção, sem prejuízo de qualquer outro tipo de responsabilidade em que o mesmo possa incorrer.
(…)
4—Consideram-se pagamentos indevidos para o efeito de reposição os pagamentos ilegais que causarem dano para o erário público, incluindo aqueles a que corresponda contraprestação efectiva que não seja adequada ou proporcional à prossecução das atribuições da entidade em causa ou aos usos normais de determinada actividade.”
(nº 1 e 4, do artigo 59º da LOPTC)

De facto, a situação não é linear, e exigiria um exercício teórico mais aprofundado, mas penso ser possível enquadrar aqui acções decorrentes de violações de normas ambientais, que constituam contraprestação efectiva de um pagamento com dinheiros do erário público (pagamentos ilegais), causando-lhe assim dano para o erário público, e que não sejam, simultaneamente, adequadas á prossecução dos fins da entidade ou que não se enquadre nos usos da actividade. Afinal, não é suposto haver actividade de entidade pública que viole normas ambientais ou que tenha objectivos contra o ambiente, (mas a regra poderá ter excepções)!

“Da responsabilidade sancionatória
(…)
Responsabilidades financeiras sancionatórias
1—O Tribunal de Contas pode aplicar multas nos casos seguintes:
i) Pela utilização de dinheiros ou outros valores públicos em finalidade diversa da legalmente prevista;”
(nº 1, do artigo 65º da LOPTC)

Aqui o raciocínio é idêntico. Só que enquanto na responsabilidade reintegratória se visa a reposição de dinheiros públicos, na sancionatória visa-se multar as práticas ilegais.

Bom … mas isto são meras reflexões…mas como não encontrei nada sobre o assunto, decidi aventurar-me em algo que não sei bem como funcionará na prática, mas espero, com o tempo descobrir...ou não!

(Nota: LOPTC - Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas - Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, alterada pela Lei nº 87-B/98 de 31 de Dezembro, pela Lei nº 1/2001, de 4 de Janeiro, pela Lei nº 55-B/2004 de 30 de Dezembro e pela Lei nº 48/2006, de 29 de Agosto)

Selma Rebêlo

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