domingo, 16 de dezembro de 2007

Alegações de Direito

Tribunal Administrativo e Fiscal de Flora
Processo n.º 3879/07 DABSB
(V/ Rfa.: 00001)


Exmo. Juiz de Direito:


Ministério do Ambiente, com sede na Rua do Século, n.º 51, 1200-433 Lisboa, representado em juízo pelo Ministério Público, doravante identificado como MP, na sequência de audiência de discussão e julgamento, vem, nos termos do art. 91º n.º 4 CPTA, apresentar as suas

ALEGAÇÕES DE DIREITO

O que faz nos termos e fundamentos seguintes:

I. Questões Prévias
1) Ilegitimidade da entidade demandada

1.º
Nos termos do art. 51º do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), “Compete ao Ministério Público representar o Estado, defender o Estado, defender a legalidade democrática e promover a realização do interesse público, exercendo, para o efeito, os poderes que a lei processual lhe confere.”.

2.º
A lei processual, isto é, o CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos), confere ao MP a representação do Estado nas acções sobre contratos e de responsabilidade civil, nos termos no seu art. 11º.

3.º
O Ministério Público, foi nos presentes autos citado primeiramente em representação do Ministério do Ambiente

4.º
E posteriormente em representação do Ministério da Economia e Inovação.

5.º
No entanto, a autora deveria ter demandado o orgão que praticou o acto de licenciamento, pelo que deve a entidade demanda ser absolvida da instância.


2) Ilegitimidade da Associação Lugar do Ermo

6.º
Entende o MP que a A., não poderá invocar levianamente e apenas quando lhe convém, ambicionando proveito em sede de responsabilidade extracontratual, do regime previsto na Lei 83/95 de 31 de Agosto, Direito de participação procedimental e de acção popular, uma vez que não se encontra vertido o necessário “interesse processual em agir”, considerando as palavras do Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva “só se está perante a acção popular quando a actuação dos indivíduos e dos grupos em causa não se destine á satisfação de um interesse próprio (ou seja, quando estes não possuam um interesse próprio na demanda) (in Responsabilidade Administrativa em Matéria de Ambiente, Principia, pág 49).

7.º
O interesse próprio da Associação Lugar o Ermo deriva, como a própria designação denuncia, da localidade onde foi constituída e onde residem os seus associados, directamente interessados no licenciamento ora impugnado.

8.º
Mais se refere na citada obra (pág 50), no que concerne ao art.º 22º da Lei 83/95, que “se se trata da lesão de direitos comuns a vários titulares, não individualizados mas individualizáveis – e então não se trataria de acção popular, mas de acção juridico-subjectiva” e ainda que, “não se percebe para quem vai a indemnização fixada globalmente, pois a lei não o diz e não parece fazer muito sentido que ela caiba ao autor popular (que assim enriquecia o seu património à custa de uma lesão do ambiente, que afecta toda a comunidade”).

9.º
Nestes termos e, uma vez que o MP não pode exercer cabalmente o seu direito de vista na audiência de discussão e julgamento, deve o Ministério do Ambiente ser absolvido da instância, nos termos do art. 89º n.º 1, alínea d) e n.º 2 CPTA.

10.º
Em consequência, desde já se requer também a anulação dos depoimentos das testemunhas da Autora que são associadas desta, pelo que estaremos perante depoimento de parte, diligência probatória que não foi solicitada pela autora e considera violadora dos princípios da imparcialidade.


III.
Do Direito

11.º
A Autora solicita o pagamento de uma quantia de 250.000,00 Euros, a título de indemnização por responsabilidade civil subjectiva, nos termos do art. 22º da Lei 83/95, de 31 de Agosto.

12.º
E à cautela, caso não seja dado provimento à tese anterior, solicita o pagamento da quantia anterior a título de indemnização por responsabilidade civil objectiva, nos termos do art.º 23º da mesma lei anteriormente referida.

13.º
A autora fundamenta as suas pretensões por existir no caso sub iudice violação dos interesses previstos no art. 1º da Lei n.º 83/95, em especial do direito ao ambiente, qualidade de vida e saúde pública.

14.º
Salvo o devido respeito, que é muito, não assiste razão à autora.

15.º
Dispõe o art. 22º n.º 1 que “A responsabilidade por violação dolosa ou culposa dos interesses previstos no artigo 1.º constitui o agente causador no dever de indemnizar o lesado pelos danos causados”.

16.º
E, enquanto norma geral, dispõe o art. 2º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Dezembro de 1967 que “O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.

17.º
Como refere o Prof. Vasco Pereira da Silva “A responsabilidade por facto ilícito culposo (vide o art. 2º e segs. do D.L. 48051) «é uma responsabilidade subjectiva, baseada na culpa» (Freitas do Amaral), que assenta nos clássicos pressupostos de facto ilícito, culpa do agente, prejuízo e nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo (in “Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, 2001, pág. 257).

18.º
Já concedeu o MP na sua pronúncia à providência cautelar, que ocorreu ilicitude bem como culpa, uma vez determinada a imputação do acto impugnado.

19.º
No entanto, e salvo melhor opinião, não se verificam os restantes pressupostos.

20.º
A instalação das linhas de transporte de alta tensão da Rede Eléctrica Nacional (REN) não causaram quaisquer danos à população do Lugar do Ermo,

21.º
uma vez que, nos termos da alínea a) do n.º 3 do Decreto-Lei 29/2006 de 15 de Fevereiro que estabelece as bases gerais de organização e funcionamento do sistema eléctrico nacional (SEM), entende-se por alta tensão (AT) “a tensão entre fases cujo valor eficaz é superior a 45kV e igual ou inferior a 110 kV” .

22.º
Como se refere num estudo elaborado pelo Centro de Economia Ecológica e Gestão do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa em 2000 e encomendado pela ERSE (Entidade Reguladora do Sector Eléctrico), já junto aos autos como Doc. 1, os maiores danos causados por esta actividade são ao nível de intrusão visual (vide, em especial, o quadro constante da página 77).

23.º
E este tipo de danos, salvo melhor opinião, não são acautelados pela Lei n.º 83/95.

24.º
Indirectamente este facto foi reconhecido pela Professora Carolina Ferreira, testemunha da autora, quando afirmou que o que realmente a incomodava era ter um poste de alta tensão perto de casa.

25.º
Ainda nos termos desse estudo, “A alteração do cenário local é evidente. O impacte será maior nos casos de linha de maior tensão, em que os postes apresentam uma maior dimensão. O impacte também será mais relevante no caso de locais com maior valor paisagístico e em que seja mais difícil a integração visual da estrutura.” (pág. 69)

26.º
Ora não existem, de forma patente, a verificação destas duas condições porque estamos perante linhas de alta tensão e, como veremos de seguida, a Encosta de São Marcos não está abrangida por nenhuma área protegida.

27.º
Invoca também a autora que instalação dos postes de alta tensão provocou danos irremediáveis para o direito ao ambiente, devido a um profundo desequilíbrio do ecossistema (vide art. 21º e 50º da douta p.i.),

28.º
bem como para a actividade turística, pois estava-se perante um destino turístico preferencial que recebia 20.000 turistas por ano, e na sequência da instalação dos postes verificou-se um decréscimo de 20% da actividade turística.

29.º
O pressuposto destes danos é a classificação do lugar do Ermo como área de interesse nacional pela Rede Natura 2000.

30.º
No entanto, e mais uma vez não assiste razão à autora.

31.º
Desde logo porque a entidade demandada ainda desconhece a exacta localização do Lugar do Ermo.

32.º
Segundo a autora seria numa ilha dos Açores, mas não precisou em qual delas.

33.º
Para além disso, a Autora descreveu que o Local do Ermo tinha apenas 6 (seis) habitantes, sendo que a testemunha Carolina Ferreira reside na Rua de Santo Antão, n.º 44 (?) e André Paula Santos, na Rua das Flores, n.º 22 (?)

34.º
e que o Local do Ermo era constituído por 6 (seis) latifundiários, cada um com 200 hectares, o que não se compadece em nada com o relevo dos Açores, de origem vulcânica.

35.º
Aliás, isto mesmo foi reconhecido por João Lobo de Carvalho, testemunha da contra-interessada REN.

36.º
Foi dito pela testemunha Selma Rebelo, engenheira do ICN , que o Lugar do Ermo fazia parte de uma área de interesse nacional da Rede Natura 2000, em especial para protecção de tucanos e papagaios.

37.º
Ora, estas 2 (duas) espécies animais não são autóctones dos Açores nem constam dos Anexos do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de Abril, já alterado pelo Decreto-Lei n.º 49/2005.

38.º
E se dúvidas ainda existirem, verifique-se a sua ausência na página web http://redenatura2000.azores.gov.pt/.

39.º
Por outro lado, refere a autora, no art. 6º da sua douta providência cautela, que “Na encosta de S. Marcos no Concelho de Sintra, onde passam os cabos de alta tensão, surgiram dez novos casos de cancro”

40.º
Afinal fica o Lugar do Ermo na encosta de S. Marcos, freguesia de S. Marcos e município de Sintra??

41.º
O município de Sintra é parcialmente abrangido, no âmbito da Rede Natura, por um Sítio de Interesse Comunitário, nos termos do anexo I da Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/97, de 5 de Junho e do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de Abril, já alterado pelo Decreto-Lei n.º 49/2005.

42.º
O referido Sítio de Interesse Comunitário não abrange a freguesia de S. Marcos e, consequentemente, o Lugar do Ermo, conforme se pode verificar da análise dos mapas que ora se juntam como Doc. 2 e 3 e se dão como reproduzidos para todos os efeitos legais.

43.º
E à cautela, note-se também que o Lugar do Ermo não está abrangido pelo Parque natural de Sintra-Cascais, como se pode verificar da análise do mapa que ora se junta como Doc. 4 e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.

44.º
E mais uma vez ressalve-se que tanto o Sítio de Interesse Comunitário como o Parque Natural de Sintra-Cascais não visam proteger tucanos e papagaios.

45.º
A menos que se esteja a falar de um lugar do ermo no Brasil ou noutro país equatorial...

46.º
Em consequência, e sem pôr em causa a beleza inata do Lugar do Ermo, tem-se sérias dúvidas no profundo desequilíbrio provocado no ecossistema...

47.º
Facto que de modo algum foi patenteado ou demonstrado, até porque tucanos e papagaios alimentam-se de fruta e nozes, sendo sobretudo frugívoras e não de um volume desmesurado de répteis e insectos, como invoca a autora e foi contrariado pela sua testemunha João Guerra.

48.º
Acresce referir que o habitat destas aves se encontra em florestas tropicais húmidas, de onde não saem por não serem migratórias, desconhecendo-se qualquer população, “selvagem”, fora do continente americano de onde são originárias.

49.º
A alegada violação da Directiva Aves e Habitat, bem como o desrespeito pela Rede Natura 2000, não se vislumbra…

50.º
Pelo que deve a entidade demandada ser absolvida do pedido, até porque a autora não cumpriu adequadamente o princípio do dispositivo, em especial o princípio da substanciação da causa de pedir, acolhida no art. 78º n.º 2, alínea g) do CPTA.

51.º
Como refere Abranches Geraldes, “A. Reis, repetindo aquilo que resulta inequivocamente dos textos legais, refere que o autor não pode limitar-se a formular o pedido, a indicar o direito que pretende fazer reconhecer, “tem de especificar a causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, o facto ou o cato de que, no seu enetender, o direito procede” (Comentário, vol. III, pág. 370).
E, num outro local, esclarece que “a narração há-de conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido” – CPC anot., vol. II, pág.351”.

52.º
Refere ainda o mesmo autor que “Já a opção pela teoria da substanciação implica para o autor a necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada.
Foi esta a opção a que aderiu o legislador e, assim, o preenchimento da causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica apresentada, supõe a alegação dos factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se busca” (António Santos Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil – I Volume”, 2.ª edição revista e ampliada, Almedina, Coimbra, 1999, pág./ 188 e 189 e 193, respectivamente).

53.º
Por último, e ainda quanto aos danos, invoca ainda a autora violação da saúde pública e qualidade de vida.

54.º
Desde logo, note-se que a entidade demanda coloca sérias dúvidas a um aumento tão exponencial e súbito de cafaleias e cancros

55.º
Como referem diversos estudos científicos das mais importantes entidades internacionais neste domínio, como a OMS (Organização Mundial Saúde), o National Institute of Environmental Health Sciences e National Institute of Healts, e que já foram juntos aos autos, não existe uma relação de causalidade entre este tipo de instalações e eventuais doenças sofridas pelos habitantes nas áreas circundantes, inclusivé crianças.

56.º
O mesmo é referido pelo estudo encomendado pela ERSE.

57.º
E não poderiam esses mesmos danos terem sido provocados por outros campos electro-magnéticos, como electrodomésticos ou telemóveis?

58.º
Em abono do anteriormente referido, saliente-se que apenas uma criança do Lugar do Ermo padecia de uma doença do foro oncológico

59.º
mas que já lhe tinha sido diagnosticada em data anterior à da instalação dos cabos de alta tensão, como foi corroborado pela testemunha João Lobo de Carvalho.

60.º
A própria professora Carolina Ferreira reconheceu que dos 12 (doze) alunos da sua turma e dos 50 alunos de toda a escola, só conhecia o anterior caso de cancro,

61.º
que, como já se patenteou, é anterior à instalação dos cabos de alta tensão.

62.º
A prova viva que os cabos de alta tensão não trazem nenhum risco relevante para a saúde das pessoas é a própria professora Carolina Ferreira que tendo um cabo de alta tensão perto da porta de sua casa goza de uma saúde invejável, resplandecente,

63.º
Ainda assim, a contra-interessada REN, como foi dito pela sua testemunha Engenheira Marlene Paiva, realiza medições das emissões de baixas-frequência, que nunca excederam os limites legalmente impostos.

64.º
É claro que não se pode afirmar não existirem “custos 0”, no entanto é necessário introduzir nesta matéria critérios de proporcionalidade,

65.º
não esquecendo que o art. 66º CRP estabelece como tarefa fundamental do Estado a adopção de políticas tendentes à criação de um desenvolvimento sustentável, nomeadamente, e no caso concreto, o modernizar do SEN (Sistema Eléctrico Nacional).

66.º
Ora, tendo em conta que no Lugar do Ermo só viviam 6 pessoas numa área relativamente extensa, são inegáveis os impactos positivos dos cabos de alta tensão, como referiu a Engenheira Marlene Paiva.

67.º
Ainda que se verifique um dano de ordem estética, como referimos anteriormente, os impactos positivos são de ordem nacional mas também local, através de melhores condições nas infra-estruturas aí existentes, como a escola e o centro de saúde, como foi reconhecido pela testemunha Carolina Ferreira.

68.º
Perante a afectação de utilidade social, haverá quando muito um prejuízo estético, não alegado, não a destruição da beleza da paisagem, que ora, não reflecte mais que desenvolvimento sustentado, transporte eléctrico que proporciona qualidade de vida, conforto e meios de subsistência a quem dela beneficia, como os habitantes de Lugar do Ermo…

69.º
Quem contesta a existência ou mesmo a necessidade de postes de alta tensão? Quem não tem direito a beneficiar de energia eléctrica?

70.º
Ainda que se apure, erro de execução na colocação do poste, junto à porta de entrada da Prof. Carolina Ferreira, esse dano estético, que eventualmente não minimizou impactos paisagísticos, será imputável à REN, executora da obra e operadora da rede eléctrica em apreço (Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, pág. 259 e 260).

71.º
Relativamente ao nexo de causalidade, ainda que a autora invoque que “A relação de causalidade no domínio ambiental é igualmente de difícil verificação”, pelo que se terá de recorrer “a «regras da probabilidade» (Gilles Martin)” (Vasco Pereira da Silva, obra citada, pág. 261 e 262).

72.º
Ora não foi provada, em sede de julgamento, qualquer causalidade adequada, alegadamente atribuída às “contestadas” instalações eléctricas, na criação ou agravamento de determinados riscos para a saúde, como o cancro e o “mal-estar geral”

73.º
A causalidade abstracta, alegada com recurso a estatísticas médicas, não provou, no entender dos subscritores, a aptidão abstracta daquele tipo de instalação para provar os alegados danos, definhando perante a contraprova, recorrendo a estudos também ingleses, de maior espectro (de impactos e variáveis) e amostra (considerando o n.º de casos apreciados) e de idoneidade inquestionável, que consideramos produzida e apresentada pela entidade demandada,

74.º
Em concreto não foi provada a conexão temporal e espacial dos alegados danos com a instalação da rede eléctrica datada de Junho de 2006 (confirmar), nem nos parece ocorrer qualquer conexão de risco, uma vez que á data da instalação, já a criança padecia de leucemia e as alterações de ecossistema, originadas pela debandada das aves exóticas supra identificadas são absolutamente inverosímeis.

75.º
A normalidade de Lugar do Ermo não parece ter sido então abalada pela presença de postes de alta tensão, ainda que se conceda algum impacto visual, tal não obsta a persecução da vivência sócio económica dos seus habitantes. Até porque ainda que haja uma quebra de afluência turística, não há ausência, os escuteiros continuam a eleger Lugar do Ermo, conforme se demonstrou através do interrogatório das testemunhas Carolina Ferreira e João Lopo de Carvalho.

76.º
Não opera qualquer nexo causal no caso sub iudice porque os estudos já juntos dizem que há uma fraca causalidade e o uso das regras de probabilidade terá de ser contrabalançado por uma adequada repartição do ónus da prova, inexistindo presunções de causa de dano ambiental (Ana Perestrelo de Oliveira, “Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental” Almedina, Parte II e III).

77.º
A verificar, sem conceder, a ocorrência de danos ambientais, apela então o MP a uma racionalidade na análise e ponderação dos interesses em jogo, confiante de que não será outra a apreciação a efectuar em sede de sentença…

78.º
Como não deverá ser descurada a análise da performance do Principio da Prevenção nas medidas minimizadoras, implementadas e a determinar pelo douto tribunal, caso as considera insuficientes, no intuito de conciliar os interesses em causa.

79.º
Não colhendo frutos, como supra se pretendeu demonstrar, as alegações de ilicitude ou de conduta culposa padecem de inconcludência probatória; pretende ainda a A. operar a convolução da responsabilidade civil em responsabilidade pelo risco...

80.º
Logo, a título subsidiário veio a A. invocar a responsabilidade administrativa objectiva, que está regulada no art. 8º do DL n.º 48051, de 21 de Dezembro de 1967 e no art. 41 da LBA.

81.º
Ora, como já dissemos anteriormente, a actuação da Administração não causou qualquer ofensa de direitos ou interesses descritos na Lei n.º 83/95, não concedendo o supra exposto em matéria de ilegitimidade processual,

82.º
nem causou prejuízos que se considerem especiais ou anormais, uma vez que não ultrapassam os custos próprios da vivência em sociedade (na definição de Carlos Alberto Fernandes Cadilha , obra citada, pág. 205) ou sequer danos significativos.

83.º
Existindo risco, a sua esfera é permitida sob uma caução de legalidade, de consentimento, de ponderação pelo beneficiário que poderá eventualmente, como no caso em apreço e sem conceder, ser também o não excessivamente afectado...

84.º
Mas, para além disso, o instituto da responsabilidade objectiva no domínio do direito do ambiente não se encontra actualmente em vigor porque a norma do art. 23º da Lei de Acção Popular “não resolve sequer (o antes tratado) problema da fixação do quantitativo da indemnização, pelo que parece ser uma norma tautológica e desnecessária” (Vasco Pereira da Silva, obra citada, pág. 271)

85.º
e o art. 41º da LBA carece ainda de regulamentação, e como tal não é aplicável, como bem defendem Pereira Reis (“Lei de Bases do Ambiente – Anotada e Comentada” pág. 88 e 89) e Pedro Gonçalves (“Os Meios de Tutela perante os Danos Ambientais provocados no Exercício da Função Administrativa”, Lúsiada, pág. 73).

86.º
Se não fosse intenção do legislador criar um regime específico para a responsabilidade objectiva por actos de gestão pública, bastava que ele remetesse para o regime constante do Código Civil, até porque os respectivos regimes jurídicos não são muito distintos (Vasco Pereira da Silva, obra citada, pág. 265),

87.º
A menos que se considere que o legislador olimpicamente ignore o regime de responsabilidade ambiental por actos de gestão privada, constante do Código Civil (CC),

88.º
onde, são estabelecidos limites, quanto ao quantum indemnizatório por danos causados por instalações de energia eléctrica (art.os 508º a 510º do CC).

89.º
O que seria estranho, para não dizer mesmo, bizarro!

90.º
Finalmente se sublinha que, caso se apure responsabilidade objectiva, seja apenas entidade operadora de rede (conforme definição legal plasmada na alínea n) do n.º 3 do Regulamento de Operação das Redes da ERSE), a REN – Rede Eléctrica Nacional, SGPS responsabilizada por qualquer risco inerente à sua actividade de “direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega de energia eléctrica”(Art.º 509º n.º 1 do CC), pela qual se deve encontrar, segurada, conforme decorre do art.º 75º do Decreto-Lei 29/2006 de 15 de Fevereiro e 43º da LBA,

91.º
Seguro de responsabilidade civil, já previsto e exigível em concreto, nos termos vertidos no Decreto-Lei 172/2006 de 23 de Agosto, aplicável a licenciamentos anteriores (art.º 72º), observado o disposto nos seus artigos 27º e 28º, e no que concerne à REN em particular o disposto na Base II do seu Anexo I e na Base XXV do seu Anexo II.

92.º
Face ao exposto, o Ministério do Ambiente, o Ministério da Economia e Inovação e a Direcção Geral de Geologia e Energia não poderão, salvo melhor opinião, subsumir na presente contenda e no actual ordenamento jurídico português qualquer responsabilidade pelo risco que eventualmente seja apurado.

93.º
considerando, inclusive a falta de acolhimento legal da aplicação da teoria da causalidade cumulativa e da responsabilidade solidária de criadores e potenciadores de risco ambiental (Ana Perestrelo de Oliveira, “Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental” Almedina, Parte III e IV).

94.º
Ainda que a argumentação anteriormente expendida não seja acolhida, crê a entidade demandada que o montante da indemnização solicitado pela autora é exagerado, pelo que deve ser superior a 25.000,00 Euros.

95.º
Sob pena de não se ponderar adequadamente os diversos interesses em jogo e não se respeitar “a linha de fronteira «entre danos admissíveis e danos inaceitáveis» (Branca martins da Cruz)”, uma vez que “a solução adoptada pela doutrina e jurisprudência dos países europeus, onde «a reparação integral cede, pouco a pouco, o lugar à indemnização “razoável” do prejuízo” (Vasco Pereira da Silva, obra citada, pág. 260 e 261).



Do anteriormente exposto, retiram-se as seguintes CONCLUSÕES:

1. Deve a entidade demandada ser absolvida da instância, porque não foi demandado o orgão que praticou o acto de licenciamento.

2. Por outro lado, deve ser também a entidade demandada absolvida da instância porque a autora não defende um interesse próprio, nos termos da Lei 83/95, de 31 de Agosto, Direito de participação procedimental e de acção popular (Vasco Pereira da Silva, “Responsabilidade Administrativa em Matéria de Ambiente”, Principia, pág. 49).

3. Já concedeu o MP na sua pronúncia à providência cautelar, que ocorreu ilicitude bem como culpa, no entanto, e salvo melhor opinião, não se verificam os restantes pressupostos.

4. Desde logo porque a autora não precisa a exacta localização do Local do Ermo, o que viola o princípio do dispositivo, em especial o princípio da substanciação da causa de pedir, nos termos do art. 78º n.º 2, alínea g) do CPTA.

5. Invoca a autora que os postes de alta tensão provocarão danos ambientais porque o Lugar do Ermo ficaria numa ilha dos Açores e que estaria abrangido por uma área protegida da Rede Natura 2000, em especial para protecção de tucanos e papagaios.

6. No entanto, do depoimento de várias testemunhas resulta ser impossível o Lugar do Ermo ser numa ilha dos Açores bem fazer parte de uma área protegida da Rede Natura 2000.

7. Por outro lado, na providência cautelar afirma que o Lugar do Ermo fica no município Sintra,

8. No entanto, e uma vez mais, o Lugar do Ermo não estaria abrangido por uma área protegida da Rede Natura 2000, em especial para protecção de tucanos e papagaios, espécies que não são autóctones nem dos Açores nem de Sintra.

9. Invoca também a autora a violação da saúde pública e qualidade de vida com base num aumento exponencial e súbito de cafaleias e cancros, quando apenas uma criança do Lugar do Ermo padece de uma doença do foro oncológico que lhe foi diagnosticada em data anterior à da instalação dos postes de alta tensão.

10. Aliás, dos 12 (doze) alunos da turma da Professora Carolina Ferreira e dos 50 alunos de toda a escola, só existe um caso de cancro de, o que demonstra não existir uma relação causa-efeitos entre os postes de alta tensão e doenças das populações,

11. como tem sido referido em diversos estudos científicos das mais importantes entidades internacionais neste domínio, como a OMS (Organização Mundial Saúde), o National Institute of Environmental Health Sciences e National Institute of Healts, e nacionais, Centro de Economia Ecológica e Gestão do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, que já foram juntos aos autos.

12. A contra-interessada REN também, como foi dito pela sua testemunha Engenheira Marlene Paiva, tem realizado medições das emissões de baixas-frequência, que nunca excederam os limites legalmente impostos.

13. Por outro lado, não se pode falar no domínio ambiental em “custos zero” e são inegáveis os impactos positivos, de ordem nacional e local, que acarretaram a instalação dos postes de lata tensão, como foi reconhecido por diversas testemunhas, em especial pela Professora Carolina Ferreira.

14. Relativamente ao nexo de causalidade, já ficou demonstrado que não existe uma causalidade directa e adequada, mas também não provou a autora que ela existisse com recurso às «regras da probabilidade»

15. porque, em concreto não foi provada a conexão temporal e espacial dos alegados danos com a instalação da rede eléctrica datada de Junho de 2006, nem nos parece ocorrer qualquer conexão de risco, uma vez que à data da instalação, já a criança padecia de leucemia e as alterações de ecossistema e a debandada das aves exóticas supra identificadas são absolutamente inverosímeis

16. Em consequência, não opera qualquer nexo causal no caso sub iudice e o uso das regras de probabilidade terá de ser contrabalançado por uma adequada repartição do ónus da prova, inexistindo presunções de causa de dano ambiental (Ana Perestrelo de Oliveira, “Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental” Almedina, Parte II e III).

17. Á cautela, desde já apela o MP para uma racionalidade na análise e ponderação dos interesses em jogo, em especial as obrigações da REN enquanto “operador” do SEM (Sistema Eléctrico Nacional) e para as inegáveis vantagens que a população do Lugar do Ermos e outras populações das redondezas obtiveram com a instalação dos postes de alta tensão.

18. A autora invoca a título subsidiário a responsabilidade administrativa objectiva, regulada no art. 23º da Lei 83/95, de 31 de Agosto, no art. 8º do DL n.º 48051, de 21 de Dezembro de 1967 e no art. 41 da LBA.

19. No entanto, e como já dissemos anteriormente, a actuação da Administração não causou qualquer ofensa de direitos ou interesses descritos na Lei n.º 83/95

20. bem como não está ainda em vigor o regime da responsabilidade objectiva no domínio do direito do ambiente porque a norma do art. 23º da Lei de Acção Popular não é mais do que “uma norma tautológica e desnecessária” (Vasco Pereira da Silva, obra citada, pág. 271).

21. o art. 41º da LBA carece ainda de regulamentação, e como tal não é aplicável, como bem defendem Pereira Reis (“Lei de Bases do Ambiente – Anotada e Comentada” pág. 88 e 89) e Pedro Gonçalves (“Os Meios de Tutela perante os Danos Ambientais provocados no Exercício da Função Administrativa”, Lúsiada, pág. 73).

22. Mais estranho seria ainda que se considerasse que o legislador olimpicamente tivesse a ignorado o regime de responsabilidade ambiental por actos de gestão privada, constante do Código Civil (CC). (!)

23. À cautela, e caso se apure responsabilidade objectiva, só deverá ser a REN – Rede Eléctrica Nacional, SGPS responsabilizada por qualquer risco inerente à sua actividade de “direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega de energia eléctrica”(Art.º 509º n.º 1 do CC), pela qual se deve encontrar, segurada, conforme decorre do art.º 75º do Decreto-Lei 29/2006 de 15 de Fevereiro e 43º da LBA, e dos art./ 27º e 28º do Decreto-Lei 172/2006 de 23 de Agosto, em especial no disposto na Base II do seu Anexo I e na Base XXV do seu Anexo II,

24. e tendo em conta a falta de acolhimento legal da aplicação da teoria da causalidade cumulativa e da responsabilidade solidária de criadores e potenciadores de risco ambiental (Ana Perestrelo de Oliveira, “Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental” Almedina, Parte III e IV).

25. À cautela, sempre se diga, que caso o anteriormente exposto não mereça o acolhimento do douto Tribunal, nunca a entidade demandada poderá ser condenada ao pagamento de uma quantia superior a 25.000,00 Euros

26. Sob pena de não se ponderar adequadamente os diversos interesses em jogo e não se respeitar “a linha de fronteira «entre danos admissíveis e danos inaceitáveis» (Branca martins da Cruz)”, uma vez que “a solução adoptada pela doutrina e jurisprudência dos países europeus, onde «a reparação integral cede, pouco a pouco, o lugar à indemnização “razoável” do prejuízo” (Vasco Pereira da Silva, obra citada, pág. 260 e 261)

27. e provocar um enriquecimento sem causa da Autora!



JUNTA: comprovativo de notificação dos mandatários das partes contrárias e duplicados legais.

VALOR: 250.000,00 Euros (duzentos e cinquenta mil euros)


Os Procuradores da República,

Maria Isabel de Vasconcelos Cabral Fernandes Marques
Paula Cristina Osório Santos Neves
R.M.A.
André Lucas Pires Ribeiro Soares
Nuno Miguel dos Santos Marques
Luís Manuel Martins Damas

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