quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Resposta à colega Gisela Andrade

Relativamente à questão suscitada pela colega Gisela Andrade, tenho a tecer inúmeras considerações, muito embora aplauda a sua capacidade de iniciativa, e de interacção, que é sempre fundamento último deste blog.
Em primeiro lugar, e com todo o respeito, não entendo quando refere que “Quanto à intimação para adopção ou abstenção de uma conduta contemplado no artigo 112.º n.º 2 alínea f), que corresponde a uma providência cautelar antecipatória, verificamos que o espírito da norma é diferente, visando principalmente acautelar relações jurídicas administrativas inter-privados, visto que o artigo menciona " (...) por parte da Administração ou de um particular".
Não vejo que esse seja o espírito do legislador, em primeiro lugar, porque não existem “relações jurídicas administrativas inter-privados”. Existem sim, relações administrativas, ou existem relações privadas. No caso do direito Português, é muito claro o legislador e o seu “espírito” no que a esta temática diz respeito, pois há um código de procedimento administrativo cujo o seu âmbito de aplicação, estabelece no artigo 2º nº1 C.P.A que se aplica a “todos os órgãos da Administração Pública, que no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares, bem como os actos em matéria administrativa praticados pelos órgãos do Estado que, embora não integrados na Administração Pública, desenvolvam funções materialmente administrativas”, assim não entendo o que a colega queria referir quando diz que o 112º nº 2 f) C.P.T.A se aplica preferencialmente a “relações jurídico administrativas inter-privados”. Como se sabe, o nosso sistema administrativo, característico dos sistemas da Europa continental é muito claro, temos uma legislação específica, e tribunais especializados para os litígios de matéria da actividade administrativa, quer a nível processual quer a nível material. Diferenciamo-nos do sistema anglo-saxónico, que sujeita a actividade administrativa em geral à “common law”, havendo neste, uma ausência quase total de diplomas jurídico-administrativos, bem como tribunais especializados para questões deste melindre.
Na nossa lei, as relações inter- privadas são reguladas pela legislação civil, sendo uma questão diferente do que aqui se discute, pois estamos no âmbito da legislação administrativa, logo não percebo a referida afirmação da colega, nem mesmo com base em que “fonte interpretativa” a chamou à colação, pois do artigo 112ºnº f) não se poderá retirar esta interpretação.
No âmbito deste artigo, faz-se menção ao particular na medida em que este viole uma norma de direito administrativo, ou seja, e dando como exemplo o caso do julgamento , uma actuação com base numa licença nula e ausente de eficácia, mas nada refere relativamente ás “relações administrativas inter-privados” pois salvo devido respeito, estas relações não existem no nosso ordenamento, ou são administrativas, ou são privadas, e no âmbito do C.P.T.A serão sempre administrativas, muito embora na maior parte das vezes o particular seja parte desta mesma relação ao lado do ente público (ou mesmo ente privado, quando investido de “ius imperi”).
Ainda relativamente ao “post” da colega, tenho a dizer que discordo quando refere que “Pense-se a titulo exemplificativo, numa situação mais simples como seja a de uma licença de construção que padece de ilegalidade por desconformidade com o plano director municipal: não será um vício suficientemente gravoso? É uma mera formalidade? Não, não é mera formalidade mas sim condição para que a mesma seja atribuída e não restam duvidas que o expediente mais adequando seja a suspensão de eficácia sempre que um outro particular veja violado os seus direitos, que poderão ser fundamentais como o direito ao ambiente”. Em primeiro lugar, porque o expediente a usar nestas situações, não é a suspensão da eficácia do acto, mais sim as medidas de tutela da legalidade urbanística que visam situações como aquela que referiu a colega, e que estão patenteados no artigo 102º e seguintes do DL 555/99 (antiga redacção), e mais concretamente para o caso dos planos, no 102º nº1 c) DL 555/99. Como se depreende do 103º nº1 DL 555/99, o “embargo obriga a suspensão imediata, no todo, ou em parte, dos trabalhos de execução da obra”, logo o regime a aplicar para estas situações nunca será a suspensão da eficácia nos termos do 112ºn2 a) C.P.T.A, mas sim o regime especial do 102º e 103º DL 555/99 (antiga redacção).
Aliás, pode mesmo ser ordenada a demolição, que é a medida de tutela da legalidade mais gravosa patenteada no artigo 106ºnº1 555/99, e que deve ser o meio utilizado quando uma licença de construção viole uma área de reserva ecológica , pois o embargo jamais sanará um vício desta natureza, devendo-se no meu entender, partir-se de imediato para a demolição. No domínio do ambiente, e tal como já referi, há também o expediente do embargo administrativo nos termos do artigo 42º da lei de bases do ambiente 11/87.
Respondo também, à pergunta da colega Gisela quando diz “ Ora, em que se traduz mais a paralisação do transporte de electricidade nas linhas de alta tensão, permitido pela atribuição da licença que não apenas na suspensão de eficácia do acto de licenciamento?
A resposta é simples, com a intimação para adopção de conduta. Alcançamos logo o fim último que tínhamos com a providencia cautelar de suspensão da eficácia do acto, ou seja o desactivação das redes, e reconhecemos de imediato que além de nulo, aquele acto é ineficaz, o que nos dará mais força na nossa acusação.
Aliás não deixa de ser curioso, que a defesa tenha invocado o artigo 128º nº1 C.P.T.A, pedindo com base na nossa já conhecida clausula aberta do “interesse publico”, que a providência de suspensão do acto não tenha efeitos , situação que jamais ocorreria (tal como eu já tinha alertado) se partíssemos para a impugnação do acto, juntamente com uma intimação nos termos do 112ºnº2 f). Aí sim, teríamos defendido melhor o interesse do ambiente, pois não reconheceríamos implicitamente a eficácia do acto, ( que não tem esta característica) fragilizando a defesa, e obrigaríamos de imediato a ser feito aquilo que queremos em “ultimo ratio” com este julgamento, que é desactivação das redes eléctricas até ser reconhecida a nulidade da licença.
Discordo respeitosamente, da afirmação da colega Gisela quando refere “Ora, como o acto de licença, independentemente de saber se o mesmo padece de vício nulidade ou vicio inexistência, existiu, este mecanismo não é o processualmente mais adequado para acautelar a pretensão da Associação”, pois confunde existência formal ( licença) com existência material ( eficácia). O documento da licença em papel timbrado existe (um papel formal e solene etc…) mas não produz efeitos sendo nulo, mas a meu ver é mais do que isso, é também ineficaz e é esta a grande teoria que eu chamo à discussão de todos. Ineficaz pois foi elaborada sem prévio estudo de impacto ambiental, não estando inquinada de um vício formal ou processual, mas sim material.
João Guerra

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