sábado, 8 de dezembro de 2007

Julgamento paralelo e "Quid iuris?"

Fazendo apelo ao repto lançado pela nossa colega Isabel Cabral, de se proceder a um julgamento paralelo e também em jeito de resposta ao "que de Direito" (Quid iuris") proposto pelo também nosso colega João Guerra, gostava de fazer aqui um breve excurso pelos pontos referidos no seu post.

Quanto à possibilidade de se optar pela intimação da Administração para a adopção de uma conduta positiva, em vez da suspensão da eficácia do acto administrativo, que foi requerida na providência cautelar, foi precisamente pela ideia contrária à que o João refere, quando escreve que não restariam dúvidas quanto à sua aplicação, que optámos pela suspensão, na medida em que é pacífico que a alínea f) do n.º 2 do Artigo 112º levanta as maiores dúvidas de interpretação, ao passo que a alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo para além de ser bastante mais clara ao nível da interpretação, é ainda de mais fácil prova em Tribunal e como é óbvio não queríamos "dar de barato", à outra parte, normas que são alvo das mais diversas interpretações.

Exemplo de dúvida é, entre outras, a expressão "fundado receio de violação", que é interpretada por boa parte da doutrina, e que diz a mesma que, para uma providência cautelar deste tipo ter procedência, é necessário ter uma base juridicamente fundada,que permita suspeitar, em termos de razoabilidade e plausibilidade que a referida violação vai acontecer no futuro. Bem sei, que a nosso ver, enquanto parte, consideramos que já houve de facto uma violação de uma norma de direito administrativo, por ter sido concedida uma licença, sem o respectivo estudo de impacto ambiental, mas como se pode ver na oposição apresentada e tal como já se esperava, a contra-interessada protesta trazer aos autos um suposto estudo. E agora? Será razoável e plausível que há ou haverá uma violação? Bem, só em sede de audiência se analisará as provas, juntas pelas partes e se decidirá.

Mas não é só. Ao tempo da realização da providência cautelar e da Petição Inicial, o grupo de trabalho entendeu que o pressuposto máximo e último das providências cautelares, que é a urgência, ou dito de outro modo a urgência em assegurar um efeito útil da sentença, não se encontrava tão manifesto na intimação para uma conduta, como se encontra na suspensão da eficácia.

Sucede que, uma providência do tipo da intimação para a adopção de uma conduta, tem como fundamento a "alegada violação ou fundado receio de violação de normas de direito administrativo" e àquela data e no seguimento da realização da providência, não era essa o fundamento último que vínhamos escrevendo até ali, ou seja o fundamento de toda a acção era então a violação do direito à saúde, ou em último caso a violação do direito à vida, na medida que referíamos a existência de uma criança com uma doença do foro oncológico e ainda do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Pareceu ao grupo de trabalho, que comparando com a eventual violação de uma norma de direito administrativo, norma essa que não deixa de ser também muito importante e cuja violação é de facto gravosa, a violação daquelas normas constitucionais clamavam mais por uma protecção urgente e antecipatória da sentença ou acórdão, neste caso.

Quanto à questão da eficácia ou possível inexistência do acto de licenciamento, devidas à falta de uma formalidade (essencial), como seja a AIA, cabe dizer que a questão é sujeita, mais uma vez, a diversas interpretações e o próprio Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva considera que há uma diferença entre actos nulos e actos inexistentes, na medida em que um acto só será inexistente se a falta dos elementos (ou formalidades) essenciais for muito grave.

Dizer-se que um acto de licenciamento, sem a precedência de uma AIA e por isso ineficaz, não está sujeito a uma providência cautelar de suspensão da eficácia é no mínimo desproteger completamente os particulares de usar dos meios contenciosos ao seu dispor, contra as actuações da Administração Pública. Seria ainda uma intolerável violação da tutela jurisdicional efectiva. Não discordando da consequência da ineficácia ou inexistência do acto em causa, jamais poderei concordar com a conclusão retirada que, a providência cautelar de suspensão da eficácia proposta não pode ser admissível, porque o acto é ineficaz

Pergunto-me se pelo mesmo raciocínio de que este acto, em teoria, ineficaz não pode estar sujeito a uma providência cautelar de suspensão da eficácia do acto, então também este acto, em teoria, inexistente, não pode também ele estar sujeito a uma acção de impugnação do acto, porque não existe. Não me parece.

Põe-se ainda o problema de nos questionar-mos sobre a sua eficácia, porque efectivamente o acto vinha já a produzir efeitos, eles não estavam nem sequer "latentes", eles existiam, pelas linhas passava já energia, apesar do explanado no Art. 134º n.º 1 CPA.

Relativamente à afirmação que estamos perante dois actos administrativos, um primeiro a AIA (e outro a licença) e lendo o Art. 120º CPA não me parece claro em que medida um estudo de cariz marcadamente técnico e independente da Administração Pública, sob pena de ser inútil, e que se assemelha a uma formalidade essencial, preparatória, e que aliás como refere o nosso colega João condição de existência de um acto administrativo, é certo que se afirme que seja, sem mais, um acto administrativo.

Dizer que o "expediente da suspensão da eficácia do acto, usa-se mais no âmbito dos concursos públicos", não me parece muito correcto, não fosse existirem normas como o Art. 112º n.º 2 alínea b) CPTA "admissão provisória em concursos e exames", ou mesmo a Secção II do Capítulo I do Título IV do CPTA "contencioso pré-contratual". Terá o legislador repetido-se vezes sem conta?

Por último, gostava de referir que o grupo de trabalho, ao tempo da realização da providência cautelar ponderou requerer um embargo administrativo,como meio cautelar, no seguimento da oportuna e tempestiva chamada de atenção, feita pelo nosso colega, André Paula Santos, ao restante grupo, para esta possibilidade. Contudo, cientes do respeito que nos merecem os demais colegas de mestrado e representantes da restantes partes no processo, urgia dar entrada no Tribunal (através do blog) da referida providência cautelar e não querendo trazer mais delongas, entendeu o grupo, por unanimidade, concentrar os seus esforços na suspensão da eficácia do acto administrativo. Aplicando ainda os ensinamentos da também nossa professora, a Prof. Doutora Maria da Glória Dias Garcia, aquando da sua referência ao bom advogado, que não deve "atirar" em todas as frentes, o que não será nem académica, nem profissionalmente o método mais acertado, mas antes concentrar as "baterias" numa só frente e torná-la forte, entendeu o grupo, com toda a convicção, seguir em frente na providência cautelar de suspensão da eficácia do acto.

Assim e por maioria, os mandatários da Associação de Lugar do Ermo não pretendem usar do requerimento previsto no Art. 124º n.º1 CPTA, até pelo facto de tal não ser possível, dado que não houve qualquer alteração das circunstâncias inicialmente existentes.

Espero ter sido útil e ajudado a responder a algumas das questões levantadas pelo Quid Iuris do nosso colega João Guerra.


Hugo Santos Ferreira

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