segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A natureza aprioristica do principio da prevenção

Os diferentes princípios que actualmente se recortam no mundo do direito do ambiente, como é o caso do princípio da prevenção, são o resultado do interesse e consequente evolução que este ramo do direito sentiu nos últimos anos.

De facto, as preocupações ambientais, sobretudo, desde o desastre com o petroleiro Torrey Canyon em 1967, que poluiu as costas francesas, belgas e britânicas, até aos nossos dias, permita-se a metáfora, não têm mais a suavidade de um Monet mas antes a vivacidade de um Van Gogh.[1] [2]

Constata-se pois, que a temática do ambiente entendida de um ponto de vista estritamente jurídico, se trata de uma área relativamente jovem em que muitas das suas matérias, recorrendo à ironia utilizada por VASCO PEREIRA DA SILVA, ainda se encontram “verdes”.[3]

O princípio da prevenção consubstancia um princípio decisivo na estruturação do Direito do Ambiente[4], tendo vindo a ser nos últimos anos objecto de intenso desenvolvimento científico.

A nível interno este principio tem consagração constitucional no artigo 66º n.º 2 alinea a), quanto a CRP refere que “para assegurar o direito ao ambiente (…) incumbe ao Estado (…): a) prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão”, mas também no artigo 3º da Lei de Bases do Ambiente que expressamente consagra o princípio da prevenção.

Igualmente a nível comunitário o principio da prevenção encontra consagração legal, nomeadamente, no art.º 174 n.º2 quando refere que “a politica da Comunidade no domínio do ambiente tem por objectivo atingir um nível de protecção elevado (…)”, que se “baseia nos princípios da precaução e da acção preventiva (…)”.


CARLA AMADO GOMES afirma, que “o princípio da prevenção traduz-se em que, na iminência de uma actuação humana, a qual comprovadamente lesará, de forma grave e irreversível, bens ambientais, essa intervenção deve ser tratada.” [5]

A ideia nuclear subjacente a este princípio, é uma ideia de afastamento do dano ambiental resultante de um determinado comportamento futuro, ou seja, intrínseco a este princípio, esta a necessidade de uma actuação apriorística relativamente ao dano ambiental que se pretende prevenir.

Assim, trata-se de um princípio que actua no sentido de antecipar medidas que evitem uma agressão ambiental[6], não funcionando como entrave ao crescimento económico, antes se alicerçando na consciência da escassez dos recursos ambientais e na natureza colectiva dos bens ambientais.

Deste principio da prevenção se distingue o principio da precaução, que “significa que o ambiente deve ter em seu favor o beneficio da duvida quando haja incerteza, por falta de provas cientificas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente.”[7]

A diferença significativa entre o principio da prevenção e o principio da precaução está em que, a actuação do primeiro apenas se verifica quando se encontrar estabelecido um nexo causal entre um futuro comportamento e um dado dano ambiental, ao passo que a actuação do segundo acontece independentemente de haver a certeza dessa causalidade.

Do que fica referido supra, se depreende que, com o devido respeito, não seguimos a tese de VASCO PEREIRA DA SILVA que prefere distinguir entre principio da prevenção em sentido restrito e principio da prevenção em sentido amplo, ao invés de autonomizar o principio da precaução.[8]

Isto porque, a distinção entre o âmbito de aplicação dos dois princípios não assenta em sabermos se estamos perante potenciais danos ambientais provocados por causas naturais ou por comportamento humano, mas sim se existe um nexo de causalidade entre uma dada situação e um futuro dano ambiental ou não.

O princípio da precaução diferentemente do princípio da prevenção, exige uma actuação, ainda antes de existir uma certeza inabalável de que um determinado comportamento vá provocar um dado dano ambiental.

Ou seja, a actuação do princípio da precaução é anterior à do princípio da prevenção, sendo que, em casos de dúvida entre a actuação destes dois princípios, vigorará sempre o princípio da precaução (principio in dúbio pró ambiente).

Seguimos pois de perto, MARIA ALEXANDRA DE SOUSA ARAGÃO quando afirma, que “o principio da precaução distingue-se, portanto, do principio da prevenção, por exigir uma protecção antecipatória do ambiente, ainda num momento anterior àquele em que o principio da prevenção impõe uma actuação preventiva.”[9]

No mesmo sentido, David Freestone, refere que “enquanto a prevenção requer que os perigos comprovados sejam eliminados, o principio da precaução determina que a acção para eliminar possíveis impactes danosos no ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com uma evidência cientifica absoluta.”

Devemos pois, pronunciarmo-nos pela existência de uma autonomização clara entre o princípio da precaução e o princípio da prevenção e uma definição do âmbito de aplicação de cada um deles, tal como já referido.

Por fim, e uma vez delimitados os princípio da prevenção e precaução, cumpre fazer algumas considerações sobre a relação do princípio da prevenção, com um outro princípio essencial em matéria ambiental, o princípio do poluidor-pagador.

Isto porque, contrariamente ao que já foi afirmado neste blog, não nos parece possível, salvo melhor opinião, atribuir uma natureza preventiva ao principio do poluidor-pagador, uma vez que se trata de um principio cujo a aplicação apenas pode ser reclamada quando estamos perante um dano ambiental já consumado.

Esta visão do princípio do poluidor-pagador, tão pouco pode conduzir a qualquer tipo de confusão com a responsabilidade civil, na medida em que, tanto o instituto da responsabilidade civil como o princípio do poluidor-pagador se relacionam sem se confundirem.

Na verdade, o princípio do poluidor-pagador apenas adquire eficácia e solidez, mediante a interacção com o instituto da responsabilidade civil, pois é este que vai possibilitar a sua efectiva aplicação.

Assim, se a um potencial poluidor é exigido que tome determinadas medidas para evitar lesões ambientais decorrentes do seu futuro comportamento, o principio que preside é o principio da prevenção, não sendo possível recortar qualquer actuação do principio do poluidor-pagador.

Se entendêssemos que numa situação como a referida, presidia o principio do poluidor-pagador, estaríamos admitir uma de duas conclusões: que o principio da prevenção ou principio da prevenção em sentido restrito, nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA, é vazio no seu campo de aplicação e como tal não se encontra razão para a sua existência, ou, que o principio da prevenção se confunde com o principio da precaução o que, como ficou demonstrado, não acontece.

Seja qual for a conclusão, facilmente se entende que nenhuma das duas serve, na medida em que o direito do ambiente necessita que os três princípios mencionados supra, possam actuar coordenada mas autonomamente, de forma a garantir uma efectiva tutela jurídica dos bens ambientais que se pretendem proteger.

O desenvolvimento do principio do poluidor-pagador deve ser feito, não espelhando campos similares de actuação ao principio da prevenção, mas sim assegurando que a onerosidade do pagamento de uma eventual lesão ambiental seja significativamente superior, aos custos das medidas que a poderiam evitar e através da efectivação e desenvolvimento de mecanismos que tenham como consequência a reparação de danos ambientais, tal como os que vem previstos na Directiva 2004/35/CE.

[1] Na verdade, um primeiro período no direito do ambiente à escala global que vai até meados dos anos 60, identificou-se essencialmente pela intenção de assegurar que determinados recursos naturais que começavam a ser objecto de alguma disputa, como é o caso da água, não desembocassem em relações de conflito. Aliás, foi alicerçado nesta visão de direito do ambiente que o Tratado de Roma de 1957 na sua visão originária, se revelou omisso em relação às questões de matéria ambiental.
Foram somente os diferentes desastres ambientais ocorridos no final dos anos 60, que despertaram uma consciência colectiva para os problemas ambientais e que conduziram à primeira grande realização à escala planetária como foi a Conferência de Estocolmo, da ONU, acerca da protecção do ambiente humano e da qual nasceu o UNEP (United Nations Environment Program).
[2] É esta vivacidade que progressivamente tem sido atribuída às questões ambientais que conduziu, entre outras, à adopção da Directiva 2004/35/CE a nível europeu ou à atribuição do prémio Nobel da Paz ao Intergovernmental Panel on Climate Change e a Al Gore, a nível mundial.
[3] Cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, “Verde Cor de Direito”, Almedina, 2002, p. 65
[4] GOMES CANOTILHO refere inclusive que a disciplina jurídica do direito do ambiente vive ancorada no principio da prevenção, “Relações Jurídicas Poligonais, Ponderação Ecológica de Bens e Controlo Judicial Preventivo”, cfr. Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, p. 65
[5] Cfr. CARLA AMADO GOMES, “A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente”, Coimbra Editora, 2000, p.22
[6] MARCELO ABELHA RODRIGUES, afirma em relação ao principio da prevenção que a “sua importância está directamente relacionada ao facto de que, se ocorrido o dano ambiental, a sua reconstituição é praticamente impossível. O mesmo ecossistema jamais pode ser revivido. Uma espécie extinta é um dano irreparável. Uma floresta desmatada causa uma lesão irreversível, pela impossibilidade de reconstituição da fauna e da flora e de todos os componentes ambientais em profundo e inocente processo de equilíbrio, como antes se apresentavam”, cfr. Elementos de direito ambiental: Parte Geral, 2.ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 203.
[7] Cfr. Coord. de GOMES CANOTILHO, “Introdução ao Direito do Ambiente”, Lisboa, 1998, p. 48
[8] Cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, ob. Cit.
[9] MARIA ALEXANDRA DE SOUSA ARAGÃO, “Direito Comunitário do Ambiente”, Cadernos CEDOUA, Almedina, p. 20

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