quarta-feira, 14 de novembro de 2007

COMÉRCIO LIVRE E PROTECÇÃO DO AMBIENTE

No âmbito da política comunitária e internacional do Direito do Ambiente, é possível denotar a manifesta ligação entre as políticas económicas e a protecção do bem jurídico Ambiente.
Neste sentido, propomo-nos a analisar, ainda que sumariamente, de que forma se relacionam estes factores, aparentemente situados em vectores diametralmente opostos...

§1.º
O Ambiente e a Economia de Mercado

O défice na protecção do ambiente e consequentes danos ecológicos constituem um foco crítico ao paradigma estrutural moderno.
Somente através de uma análise do compósito situacional onde este novo ramo do direito se insere, poderemos alguma vez apresentar soluções e pontes de ligação entre o homo economicus e o meio ambiente onde este se insere.
Com o aparecimento das grandes catástrofes ambientais e consequentes repercussões, a sociedade internacional despertou para a ideia que um modelo social orientado essencialmente para a protecção de objectivos individuais, fundamentalmente materiais e economicistas, deveria ser repensado...

Muitos autores propugnaram e propugnam que numa economia de mercado, marcada essencialmente pela ideia de custo-oportunidade, os direitos e o seu exercício têm um preço social, sendo que, também o ambiente, enquanto bem jurídico, tem um valor.
É através do funcionamento do mercado que a economia distribui os recursos escassos que possui às actividades económicas que as disputam, decorrendo o valor dos bens transaccionáveis dessa mesma disputa.
Nesta medida, alguns autores[1] atribuem os problemas do ambiente, a uma falha de mercado assente essencialmente em duas causas individuais: a) a ausência de um direito de propriedade bem definido sobre os recursos ambientais; b) o facto do bem jurídico ambiente permitir uma utilidade pública do mesmo.
Como refere ANTÓNIO CARVALHO MARTINS “(...) para o mercado funcionar é preciso que cada coisa tenha um preço e para cada coisa ter um preço, forçoso é haver um dono”.
Assim sendo, os problemas associados com a dificuldade de protecção do Ambiente, radicam no facto de não existir um demarcado direito de propriedade, já que, quando um bem é objecto da plena propriedade de alguém, o titular pode evitar que outros danifiquem ou usufruam do seu direito (geralmente associado à ideia de compensação devida).
Por outro lado, visto que muitos dos recursos ambientais podem ser utilizados sem que o “consumo” por outros seja afectado, e uma vez que estes se encontram acessíveis a todos enquanto bens públicos, tal conduz a abusos e à degradação dos mesmos.
Do exposto se conclui que a ineficácia da protecção em matéria do ambiente radica na dificuldade de apropriação individual do mesmo, sendo que, consequentemente, o seu "valor de mercado" acaba por sair profundamente deflacionado.
A análise feita da realidade económico-ambiental, na nossa opinião, acaba por sair toldada por ser excessivamente económicocêntrica e, de igual modo, desconsiderar que a maioria dos recursos naturais são limitados, ainda que fungíveis.

De igual modo, uma compartimentação hermética entre economia e natureza, como é próprio do pensamento neo-clássico, foi justamente o que conduziu a uma alheamento indevido entre a actividade económica e os seus efeitos sobre a natureza, sendo que, actualmente, uma visão como esta parece-nos desfasada com a realidade. As consequências ao nível político desta linha de pensamento, como refere ECKERSLEY, “(...) tem sido a de encarar a política económica como central e a política do ambiente como periférica e normalmente em tensão com a política económica”.

§2.º
Análise Crítica


As orientações dogmáticas expostas no título anterior, na nossa opinião, não procedem por um vasto conjunto de razões:

a) Actualmente, sendo o nosso ordenamento constitucional vigente exemplo disso mesmo, as concepções “subjectivistas”[2] têm vindo a ganhar terreno no âmbito do Direito do Ambiente, libertando-se assim a dogmática jurídica das concepções crédulas numa tutela estritamente objectivista.
Desta forma, a tutela do ambiente tem vindo a perder o seu carácter liminarmente programático e “distante” para assumir, cada vez mais, a natureza de direito fundamental e, enquanto tal, defensável contra hipotéticas agressões e “exigível” do ponto de vista da sua dimensão positiva.

b) De igual modo, cada vez mais, os países industrializados têm vindo a adoptar medidas que, em detrimento do livre comércio, têm sobreposto a tutela do ambiente às visões estritamente economicistas.
A título exemplificativo e paradigmático, pense-se no embargo levantado pelos E.U.A aos países asiáticos exportadores de camarão (1989), nomeadamente por estes utilizarem métodos de pesca que colocavam em questão a protecção de espécies em vias te extinção como as tartarugas[3]. Para que se possa ver as implicações deste caso, pense-se que os E.U.A. (membros da Organização Mundial de Comércio) recusaram a importação de produtos, limitando o livre comércio internacional, com base em violações de Direito Internacional do Meio Ambiente.
Não nos espanta assim, que muitos autores defendem hoje a existência de uma mudança de paradigma no direito internacional; não mais assente numa ideia estrita de soberania, mas transversal e concordante com o princípio da integração[4]. Ilustrativas desta ideia, são as palavras de PHILIPPE SANDS em referência ao caso supra indicado “(…) the WTO Appellate Body recognized that the WTO rules should not be interpreted in clinical isolation from the rules of public international law. It was appropriate to look at what other rules of international law said about the conservation of endangered sea turtles.”

c) Por sua vez, no âmbito da concorrência, a partir do momento em que os países industrializados começaram a legislar e a adoptar medidas preventivas no âmbito do controlo da poluição, rapidamente se aperceberam que estas poderiam ter implicações sobre o comércio internacional.
Na verdade, enquanto alguns países optaram por impor medidas rigorosas com vista ao combate à poluição (medidas muitas vezes onerosas para as empresas nacionais), outros Estados optaram por não adoptar quaisquer medidas.
De igual modo, no seio dos países com preocupações ambientais, as medidas revestiram-se de natureza bastante variada, já que, alguns países optaram por criar medidas onerosas para as empresa, enquanto outros optaram por atribuir fundos públicos (sobretudo sob a forma de subsídios).
Tendo em consideração o quadro factual descrito, facilmente se conclui que a disparidade de situações gerou distorções da concorrência, do comércio e do investimento internacional, que não permitiam que o "factor económico" ambiente pudesse, alguma vez mais, ser olvidado.
Com efeito, não pode haver comércio livre sem uma equivalência mínima de condições de comércio, sendo que, um nível de protecção díspar de Estado para Estado poderá gerar desigualdades na competitividade das empresas que partem de enquadramentos totalmente diferentes.
Central nesta análise é o exemplo da União Europeia, que, tendo consciência disto mesmo, optou por medidas uniformizadoras que garantissem uma protecção igualitária do ambiente, evitando-se assim possíveis distorções á concorrência. Assim, nomeadamente por meio do princípio do poluidor-pagador (doravante “PPP”), conseguiu-se uma “internalização” do factor poluição nos custos de produção, contribuindo dramaticamente para a ideia que não pode existir um mercado concorrencial, sem que exista um Europa ambiental.
§3.º
CONCLUSÕES


Tendo em consideração tudo o que foi exposto, cumpre agora tecer algumas considerações:

a) Sendo indissociável a ligação entre economia e ambiente, a protecção do mesmo, contribui para o desenvolvimento sustentável da sociedade, já que, acaba por ser um critério de racionalidade económica (os recursos utilizados pela economia são, na sua maioria, escassos devendo ser usados com parcimónia).
Subjacente à manutenção da qualidade de vida do ser humano, encontra-se a ideia de durabilidade e de equidade intergeracional, somente alcançável se o Direito e a actuação política partirem do pressuposto que os recursos são finitos. Como referem os Verdes “não herdamos o mundo dos nossos pais; é-nos emprestado pelos nossos filhos”.

b) A criação de normas que possibilitem a “internalização” dos custos da poluição pelo “sector económico”, nomeadamente sob a égide do PPP, constituem um meio privilegiado de introdução de racionalidade económico-ambiental na exploração dos recursos. Na verdade, o eixo ordenador do "Estado ambiental", impõe a subtracção de certas actividades e recursos à lógica de mercado (que sem uma intervenção mínima estatual apresenta falhas).

c) A protecção efectiva do ambiente passa necessariamente pela atribuição de um direito subjectivo ao mesmo. A existência de uma titularidade subjectiva do direito fundamental ao ambiente, além de suprir as dificuldades referidas por ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, permite uma ampliação da tutela do bem jurídico ambiente (nomeadamente através da descentralização da protecção do meio ambiente, anteriormente cometido apenas ao Estado). Só a partir do momento em que, cada cidadão, passa a ter direitos legitimamente invocáveis perante terceiros ou entidades públicas, transitamos verdadeiramente do plano etéreo da protecção do ambiente, para a sua consubstanciação no mundo real...

[1] ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, A Política de Ambiente da Comunidade Económica Europeia, Coimbra, 1990
[2] Cfr. artigo 66.º da Constituição.
[3] United StatesImport Prohibition of Certain Shrimp and Shrimp
Products, Report of the Appellate Body, WTO Doc. WT/DS58/AB/R (Oct.
12, 1998), disponível em http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/distab_e.htm#r58
[4] Cfr. artigo 174.º, n.º2 do Tratado de Roma.

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