Caros Colegas,
Ao dar os primeiros passos na disciplina do Direito do Ambiente, fui confrontado com a ideia de que os instrumentos jurídicos existentes nesta área, antes da Constituição de 1976, eram escassos.
Por isso, fui verificar como é que o Código Civil de 1966, lidava com as questões ambientais.
A doutrina aponta como relevante neste domínio o artigo 1346º do Código Civil que estabelece o seguinte:
Emissão de fumo, produção de ruídos e factos semelhantes
O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.
Este preceito nunca foi alterado e, por isso, poder-se-ia dizer que a sua interpretação não traria qualquer dissídio relevante. Todavia, não é assim.
1º Problema de interpretação
A expressão “prédio vizinho” significa prédio alheio ou contíguo?
Para uns, prédio vizinho significa prédio contíguo porque nos artigos 1347º, 1348º, 1350º, 1360º, 1363º, 1365º e 1366º a expressão prédio vizinho significa prédio contíguo.
Ainda para aqueles que adoptam esta interpretação, a noção de prédio alheio impede a fixação de um limite entre ser ou não alheio.
Acrescentam ainda que, por se estar perante uma restrição grave ao direito de propriedade, deve optar-se pela interpretação mais restritiva (prédio contíguo).
Para outros, prédio vizinho significa prédio alheio porque a lei não faz qualquer distinção, pelo que tanto abrange o contíguo como o não contíguo.
Em relação à interpretação restritiva, contrapõem que grave também é a emissão que limita o direito do proprietário atingido.
2º Problema de interpretação
O titular do direito pode opor-se à emissão funcionando o requisito do prejuízo substancial em alternativa ao da utilização anormal do prédio emissor?
Para os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, o titular do direito tanto pode opor-se à emissão quando houver prejuízo substancial ou quando a emissão resultar da utilização anormal do prédio.
O Professor Menezes Cordeiro entende que não faz sentido poder impedir-se a emissão quando não haja prejuízo para o titular do direito embora a utilização possa ser anormal.
Para este autor, o artigo 1346º do Código Civil resultou de uma deficiente tradução do § 906º do BGB. Neste preceito, o proprietário não pode proibir as emissões que não o prejudiquem, nem proibir as emissões que o prejudiquem e que resultem de uma utilização normal do prédio.
Conclui, assim, este civilista que o regime razoável é o da oposição às emissões caso haja prejuízo e não resultem do uso normal do prédio.
Uma terceira via é a do Professor Carvalho Fernandes que entende ser razoável a seguinte interpretação: a oposição do proprietário pode verificar-se, desde que haja prejuízo e quer a utilização do prédio seja normal ou anormal. Todavia, no caso da utilização anormal, ao titular do direito basta a prova do prejuízo ainda que não substancial.
Que dizer destas divergências?
Desde logo, há que assinalar a importância prática deste preceito porque, como afirma o Professor Oliveira Ascenção, permite a defesa perante actividades emissoras provenientes de indústrias licenciadas administrativamente. Na verdade, o licenciamento não torna lícita a emissão na medida em que prossegue interesses públicos, distintos dos interesses particulares colocados ao abrigo do referido artigo.
Por outro lado, é interessante verificar que o confronto das doutrinas não permite afirmar que as mais antigas são menos “amigas” do ambiente. De facto a interpretação dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela é menos “amiga” do ambiente quanto ao primeiro problema e mais “amiga” quanto ao 2º problema.
O choque geracional dos juristas civilistas traduziu-se num empate, com recuos e avanços.
Numa posição intermédia penso que é mais defensável a tese do Professor Carvalho Fernandes pelas seguintes razões:
1ª É mais “amiga” do ambiente quanto à questão da contiguidade, situando-se numa interpretação que, em obediência ao nº 1 do artigo 9º do Código Civil, tem em conta as condições específicas do tempo em que é aplicada;
2ª Permite uma saída airosa para o segmento relacionado com os requisitos de exercício do direito, na medida em que considera o mínimo de correspondência verbal (nº 2 do artigo 9º do Código Civil) e mantém a alternativa entre o prejuízo (substancial) e a utilização; e
3ª A manutenção da exigência do prejuízo quer a utilização seja normal quer seja anormal, evita a objecção do Professor Menezes Cordeiro, realça o fundamento do direito do proprietário, e não é “eco-fundamentalista”, deixando para os poderes públicos a reacção apropriada quando da utilização anormal não haja consequências no âmbito das relações de vizinhança.
Álvaro de Castro
Um comentário:
Independentemente do direito à propriedade há o factor agravante de saúde pública.
Vivo no último andar, os meus vizinhos fumam todos na varanda (os do andar do lado, os do andar de baixo...)...
No meu caso, tenho problemas respiratórios e estou grávida de 7 meses e meio (infelizmente os problemas respiratórios agravaram-se com o meu estado de graça).
Devido a estes problemas tenho que arejar o apartamento sempre, o problema é o cheiro intenso de tabaco de manhã à noite, a horas imprevisíveis. Não sei o que fazer, tenho momentos aflitivos e além de mim, só penso na minha bebé - tive que mandar tirar a cama e o muda fraldas do meu quarto, porque até cinzas cheguei a apanhar!!!(é inacreditável)
Preciso de aconselhamento urgente, não quero arranjar problemas com os vizinhos, mas em primeiro lugar está a saúde da minha bebé e a minha!
Obrigada!
Mónica Gaiola
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