A afirmação acima referida insere-se na problemática do posicionamento dos juristas perante as questões ambientais.
No extremo oposto ao dos negativistas, situam-se alguns fundamentalistas que defendem a atribuição de direitos subjectivos à natureza e, portanto, aos animais.
Os defensores da atribuição dos direitos aos animais colocam a discussão na identidade maior ou menor (designadamente, no sofrimento) para justificar o ingresso no “clube dos humanos”.
Três observações preliminares se devem fazer:
1ª A questão da atribuição de direitos subjectivos é posterior à questão da personificação;
2ª Em tese tudo é “personificável” pelo Direito;
3ª Em consequência, a discussão deve situar-se num determinado contexto histórico, social e cultural, pois é bem possível que diversos contextos obriguem a outras respostas (por exemplo, na Índia, a vaca já ultrapassou o plano terreno para se situar no sagrado).
Explicitando melhor: os direitos subjectivos ingressam na esfera jurídica por se reconhecer que determinada realidade é susceptível desse mesmo ingresso. Por isso se diz que a personalidade jurídica é a susceptibilidade de se ser titular de direitos e de obrigações.
Por outro lado, a personalidade não é um atributo exclusivo das pessoas nem de todas as pessoas. Diz o Professor Mota Pinto (Teoria Geral, 3ª edição, pág. 84) “ Neste sentido técnico-jurídico, não há coincidência entre a noção de pessoa e a noção de ser humano. Os seres humanos não são necessariamente, do ponto de vista lógico, pessoas em sentido jurídico: e aí está a experiência jurídica e histórica dos sistemas que aceitam a escravatura. As pessoas em sentido jurídico não são necessariamente seres humanos: e aí estão certas organizações de pessoas (associações, sociedades) e certos conjuntos de bens (fundações) a quem o direito objectivo atribui personalidade”.
Mais, à frente, o mesmo autor (pág. 197) vem responder à objecção da inexistência da ligação entre personalidade e direito (nascituros, concepturos, etc) dizendo que, nestas hipóteses, existem apenas estados de vinculação.
Ou seja, o Direito como criação humana e cultural não tem barreiras naturais à personificação.
Por isso se pode dizer que a questão é mais funda, mais anterior, e prescinde da descoberta das identidades entre os não humanos e os humanos. Jogar neste terreno é aceitar a armadilha de não discutir o essencial.
E o essencial é, na minha opinião, o seguinte: é útil ou não, aqui e agora, a atribuição da personalidade jurídica aos animais?
A questão é de utilidade porque enquanto a outorga da personalidade jurídica ao ser humano se fazia anteriormente em função da circunstância do Direito ser uma criação sua e, actualmente, se faz em função da dignidade que é comum a todos (Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª edição, pag. 85 e 86), a concessão da personalidade jurídica a outras realidades é função da vantagem ou benefício (evidentemente, para o Homem).
Percebe-se, então, que a razão primeira apresentada na frase a comentar, diga respeito ao interesse do Homem na medida em que viabilizaria a sua melhor compreensão do mundo (ambiental e animal). Obviamente, não podia ser uma razão que tivesse a ver directamente com os animais.
Mas se é assim, “ … a finalidade pode ser prosseguida (pelo Homem) através da consideração das realidades ambientais como bens jurídicos, que implica a existência de deveres objectivos (de actuação e de abstenção) …” (Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, pág. 27).
Acresce ainda que, a personificação da natureza ou dos animais, transportaria estas realidades para a área do conflito. É que o Direito tem no seu cerne o conflito na medida em que pretende a paz. Por isso, personificar a natureza e os animais seria admitir a existência de interesses contrapostos que é justamente o que, numa correcta consideração da ideia ambiental, se deve evitar.
Álvaro de Castro
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