quarta-feira, 17 de outubro de 2007

"Da idade da inocência à idade adulta" do Direito do Ambiente

Por forma a comentar o primeiro excerto, gostaria de partilhar e de ter como ponto de partida um resumo de um artigo de opinião do Dr. Mário de Melo Rocha, escrito na Revista de Direito do Ambiente e do Ordenamento do Território, que me pareceu bastante elucidativo da "timida" origem das preocupações ou políticas ambientais e do surgimento do que hoje chamamos Direito do Ambiente.

O Autor, logo no início, elege três claras singularidades do Direito do Ambiente, como sejam a sua idade, 35 anos, feitos algures entre Junho e Outubro ( data cosiderada tendo em conta o que o Autor considera o "nascimento", a Conferência de Estocolmo da ONU, em Junho de 1972 e Cimeira de Paris da então CEE, em Outubro de 1972). A segunda é o local do "nascimento", ele nasce de fora para dentro dos Estados, ou seja tem como "mãe biológica" o Direito Internacional e como "pai biológico" o Direito Comunitário, sendo posteriomente "adoptado" pelos Estados. E como última singularidade, refere o trajecto percorrido, já que considera que o Direito do Ambiente não se quis logo afirmar com a rebeldia que os verdes anos quiseram impôr; faz-se aqui referência ao percurso histórico das políticas ambientais surgidas com a crise do Estado Social ou de Providência, dos fins dos anos 60, que após uma total despreocupação ecológica, bem como uma incapacidade do sistema para lidar com novas questões, passou-se nos anos 60 ao extremismo ambiental, no qual a protecção ambiental foi encarada como um problema da sociedade, que necessitva de soluções (políticas), deu-se uma radicalização ambiental que o Direito do Ambiente não quis acompanhar.

O Direito do Ambiente conheceu pois três idades, a idade da inocência, a idade da adolescência e a idade adulta.

- A Idade da Inocência (de 1972 a 1987)

É unânime que a remota origem do Direito do Ambiente remonta às décadas de 60 e 70, sendo as suas aparições algo esparsas. Como referi surgiu primeiro no Direito Internacional, máxime na ONU, através da Resolução 2398 de 3 de Dezembro de 1968, que previa a convocação de uma conferência mundial sobre o "meio humano" e que levará à Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente - a Conferência de Estocolmo, em Junho de1972. De seguida, o Conselho da Europa adopta a declaração sobre a poluição do ar (1968) e depois a Carta Europeia da Água (1968). Estes instrumento são claro resultado do movimento, supra referido, ou seja os movimentos radicais ecológicos, bem como a partidarização da defesa do meio ambiente, típicos dos fins dos anos 60 e princípios dos anos 70.

O Direito Comunitário foi, início, um "pai ausente", tendo-se lembrado do Direito do Ambiente apenas em 1972, com Cimeira de Paris, na qual os Chefes de Estado e de Governo constituiam um conjunto de regras , que estariam na base do Direito Europeu do Ambiente.

Nesta idade há a realçar:

- o levantamento básico das situações e a hieraquização, ainda que elementar, de prioridades de acção
- uma opção quantitativa para aquele levantamento e esta hierarquização
- uma ténue evolução que, no plano internacional, se transmite pela passagem da abordagem dos problemas de uma escala de relações de vizinhança para uma escala global e que, no plano comunitário, se exerce pela convocação dos princípios da integração e do desenvolvimento sustentável

A "adopção" pelos Estados, do Direito do ambiente, acarretou para este um esforço suplementar, na medida em que os "pais adoptivos", bem como os respectivos ordenamentos jurídicos eram despojados de instrumentos próprios, bem como incapazes de os criar, obrigando ao Direito do Ambiente a procura em ramos de Direito alheios, como foram o Administrativo e o Penal, para fazer face aos novos desafios. Sucede que estes instrumentos alheios tinham um cariz muito repressivo, que desde logo se mostraram desajustados do que o Direito do Ambiente protelava.

Nestes primeiros anos de vida, urgia antes regular reprimindo, ainda que se intuísse a necessidade de acções preventivas, sucedendo que, dada a inexperiência do Direito do Ambiente, aliada à dúvida de como regular, este não fez nem um coisa nem outra, podendo na verdade "ter prevenido mais e reprimido melhor" diz o Autor.

- A Idade da Adolescência (de 1987 a 2004)

Nos finais dos anos 80, o Direito do Ambiente sofre uma profunda reviravolta.

Antes de mais, gostaria de referir que a generalização da consciência ecológica, acarretou a despartidarização da defesa do meio ambiente, passando a ser comum a todas as forças políticas, conhecendo segundo o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, duas dimensões, uma individual, subjacente à ideia do Direito do Ambiente como direito do Homem, ou seja a tomada de consciência que o ambiente é um problema de todos e de cada um e uma outra dimensão institucional, subjacente à ideia da protecção do ambiente com uma tarefa do Estado, ou seja dá-se um reequacionamento do papel do Estado na sociedade e nas respostas às novas questões ecológicas ("Estado de Ambiente").

No seguimento da reviravolta acima citada, o Dr. Mário de Melo Rocha, refere que esta é particularmente notória a dois níveis, no dos isntrumentos de tutela e no da evolução jurisprudêncial operada nos chamados "casos ambientais". Refere-se aqui a importância de introduzir elementos qualitativos, que acarretem tratamentos caso a caso e não meramente quantitativos, alheios às especificidades.

- Quanto aos instrumentos de tutela, há que referir o surgimento, para além dos tradicionais de Direito Administrativo e Penal, dos chamados "instrumentos não confrontacionais", como são exemplo os acordos voluntários, as eco-auditorias ou a mediação ambiental, mais não são que elementos de persuasão, de convencimento, de adesão, operando-se assim a uma reorientação da tutela ambiental, convidando as empresas a serem "players" nas áreas ambientais.

-No que toca à evolução jurisprudencial são características desta idade:
  • o surgimento de novos conceitos indeterminados, que a jurisprudência vai trabalharn (ex. o conceito de "proximidade imediata" da poluição)
  • evolução de algumas noções , para entendimentos mais latos (ex. o conceito de "vítima" já equiparado ao de "parte lesada")
  • a já referida aceitação que sobre o Estado impende um facere, obrigações positivas e consequente responsabilização do Estado, em caso de inacção
  • a confirmação que a acção por incumprimento é a própria para julgar os casos de transposição incorreta ou da não transposição dentro do prazo das directivas, bem como que ela deve manter-se, caso o vício que lhe deu origem possa ter sido sanado posteriormente ao prazo fixado em parecer fundamentado
  • a exigência para os Estados da transposição de todas as disposições das directivas

Assim o Direito do Ambiente não tendo cortado as amarras com o passado, limou as arestas e introduziu elementos novos.

- A Idade Adulta (apartir de 2004)

O Autor refere, nesta idade, três instrumentos que evidenciam o crescimento do Direito do Ambiente até à idade adulta, já ultrapassada que está a problemática do enquadramento do ambiente como uma dimensão colectiva e política, assentando assim em premissas seguras e que fazem do crescimento do Direito do Ambiente, um crescimento sustentado, tendo como exemplos dessas premissas os seus próprios instrumentos, sua propriedade, por si gerados. Depois de instrumentos "pedidos de empréstimo" a outras áreas jurídicas e depois de uma radical mudança de rumo que abriu portas a instrumentos voluntários, o Direito do Ambiente criou instrumentos de cariz repressivo (por oposição aos meios não-confrontacionais), mas ao invés do instrumentos repressivos alheios do passado, estes são agora adequados às suas especificidades.

Referem-se três:

- Directiva 2004/35/CE, relativa à responsabilidade ambiental

- Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais

- Lei-Quadro da Água

Não irei, por agora, especificar cada uma, dado não ser relevante para a matéria que agora se expõe.

Esta idade adulta é fortemente influênciada pela dogmatização do Direito do Ambiente, operada nos anos 90, pós aprovação e ratificação do Tratado da União Eurpeia, na sua versão de Maastricht, consagrando-se a ideia que as políticas ambientais devem ser integradas nas demais políticas comunitárias e na ideia de desenvolvimento sustentável.

É agora patente a complexidade crescente das questões ambientais, bem como da necessidade de regulação jurídica e ainda da consequente especialização de cada matéria.

Urge assim:

- uma legislação cada vez mais sofisticada, acolhendo instrumentos preventivos e repressivos

- um conjunto de instrumentos de tutela cada vez mais diversificado

- uma jurisprudência cada vez mais firme

É ainda patente, que dada a complexidade das matéria que hoje trata, o Direito do ambiente não está sozinho e há que gerir binómios, como sejam o binómio ambiente/energias renováveis, o binómio ambiente/urbanismo ou o binómio ambiente/ordenamento do território.

Enfim, são estas as novas tarefas que Direito do Ambiente enfrenta na sua vida futura, e terá de as enfrentar com a vontade explosiva da idade da inocência e com instinto apurado de descoberta da idade da adolescência...

Hugo Santos Ferreira

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