Colegas,
Tendo como ponto de partida a notícia lançada pela colega, Marlene Paiva, partilho convosco a pesquisa que fiz sobre o tema, no sistema brasileiro.
"A educação ambiental, mesmo que sem contar com as características político pedagógicas actuais, surge na agenda governamental nacional brasileira em 1973, com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente, sob efeito da pressão internacional ocasionada pela Conferência de Estocolmo, no auge do “milagre económico” e em pleno regime de ditadura militar. Entre outras competências, a secretaria deveria “promover, intensamente, através de programas em escala nacional, o esclarecimento e a educação do povo brasileiro para o uso adequado dos recursos naturais, tendo em vista a conservação do meio ambiente”. A partir daí a educação ambiental passou a contar sempre com um espaço institucional na estrutura administrativa dentro dos organismos públicos federais que constituem a autoridade ambiental brasileira, a exemplo do actual Departamento de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (DEA/MMA).
Mas foi só em 1981, durante o último governo militar, quando a desigualdade social começa a se aprofundar ainda mais, que o Brasil passou a contar com um marco legislativo para a educação ambiental. No artigo 2o da Política Nacional de Meio Ambiente que trata da educação ambiental, atesta-se a necessidade de promover a "educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objectivando capacitá-la para participação activa na defesa do meio ambiente" (Brasil 1981).
Sete anos depois, esta Política foi fonte de inspiração para a elaboração da Constituição Federal de 1988, que no seu capítulo sobre meio ambiente, também afirma que deve-se "promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente" (Brasil 1988). Em 1994 o governo federal cria o Programa Nacional de Educação Ambiental, que veio a ser reformulado em 2003, e que passou por uma consulta pública em 2004 (Brasil 2005).
Mesmo que a educação ambiental já constasse na Constituição Federal e já contasse com um programa nacional, a institucionalização pública da educação ambiental viria a se consolidar em 1999, seis anos antes do início da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, com a criação da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), cuja lei foi regulamentada em 2002, momento em que ela adquire uma matéria legal exclusivamente dedicada às suas singularidades (Brasil 1999, 2002). A conjuntura do período histórico de formulação da PNEA, ou seja, a primeira versão do documento que viria a se tornar a PNEA foi formulada na Câmara dos deputados em 1993, um ano depois da realização da Conferência do Rio e do Fórum Global, momento em que se formulou a Agenda 21 e o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global.
Naquela época, as redes de educação ambiental, modelo de organização social preferencialmente adoptado no Brasil, estavam apenas começando a se estruturar, e ainda não eram dotadas da capacidade de comunicação e articulação que actualmente possuem, para que fosse possível não só debater, mas demandar a elaboração democrática de uma política pública nacional de educação ambiental. Além das redes de educação ambiental, ainda não havia organizações sociais específicas da educação ambiental que representassem os interesses dos educadores ambientais e de todo seu espectro político-ideológico, e tampouco havia instâncias colectivas de negociação dos interesses e conflitos entre os indivíduos e instituições envolvidos na matéria. A única instância colegial que viria a se constituir como o espaço público nacional da educação ambiental, a Câmara Técnica Temporária de Educação Ambiental do Conselho Nacional de Meio Ambiente, surgiu em 1995, e mesmo que timidamente, seus membros ocuparam-se com o debate público a respeito da criação e regulamentação da PNEA.
Além desse debate, houve apenas algumas manifestações esparsas da sociedade. Apesar de haver intensos trabalhos em educação ambiental desenvolvidos por organizações não-governamentais, movimentos sociais, escolas, universidades, governos, empresas e meios de comunicação por todo país, não ocorreu qualquer tipo de conflito político – pedagógico ou oposição política à criação de uma política nacional de educação ambiental.
Apesar de nesta época as múltiplas vertentes do campo político-pedagógico da educação ambiental ainda não estarem completamente definidas, dadas as condições sociais brasileiras marcadas pela desigualdade e injustiça social, e o legado de Paulo Freire, já estava perfeitamente clara a indissociabilidade da relação entre as questões sociais e ambientais, configurando o sócio – ambientalismo como uma expressão marcante do ambientalismo brasileiro. Definitivamente educação ambiental no Brasil não era sinónimo de educação ecológica, naturalista ou conservacionista, e o núcleo central do campo da EA advogava por uma abordagem crítica, complexa, contextual e problematizadora, contemplando ainda o desenvolvimento de novas adjectivações da educação ambiental para frisar as características democráticas, emancipatórias e populares da educação, embora essa expressão ainda não seja a hegemónica na prática da EA no Brasil. Porém, havia ainda um incipiente campo científico em desenvolvimento que pudesse apoiar, em conjunto com as demandas sociais, a elaboração dos objectivos, metas e acções a se alcançar com a PNEA.
Em função dessa conjuntura, pode-se dizer que a criação da Política Nacional de Educação Ambiental no Brasil foi precoce em alguns aspectos, particularmente no que diz respeito às condições organizacionais, políticas e científicas para a sua instituição, porém esteve em sintonia com a qualificação dos sentidos político-pedagógicos da educação ambiental, significados e características da PNEA. Com a institucionalização da PNEA, a educação ambiental é assumida como um componente essencial e permanente da educação nacional e isso representa uma vigorosa resposta à crise ambiental, pois legaliza e consolida um processo de inclusão da dimensão ambiental na Educação, que ocorreu de modo gradativo ao longo de mais de três décadas. A PNEA traz também o direito universal de qualquer cidadão brasileiro ter acesso à educação ambiental, convocando todos os sectores sociais, inclusive a sociedade como um todo, a somar esforços em todos os espaços pedagógicos possíveis, dentro e fora da escola. Tais aspectos significam uma notável conquista para que as condições culturais de disseminação dos preceitos da sustentabilidade envolvam todo o tecido social, provocando uma verdadeira transição societária, frente ao paradigma desenvolvimentista reinante.
Em essência, pode-se dizer que a PNEA apresenta três âmbitos de definições: a conceituação de educação ambiental propriamente dita, envolvendo ainda os seus princípios, directrizes e objectivos, a conceituação das modalidades formal e não formal; as linhas de acção e actividades por meio das quais a PNEA deve ser implementada; e a estrutura organizacional por meio da qual a PNEA deve ser coordenada e executada.
Quanto a este último âmbito, que diz respeito à arquitectura do poder desta política, é importante destacar que o Brasil passou a contar com um Órgão Gestor para coordenar a implementação da PNEA, oficialmente instalado em 2003, e composto pelos ministérios do meio ambiente e da educação. Este órgão conta ainda com os trabalhos de um Comité Assessor, estrutura coligada com treze representantes do estado, sociedade e mercado, que desenvolve a função de assessoramento da política. Porém, em função da precocidade da lei, algumas atribuições como o poder deliberativo soberano e o poder normativo/regulador não ficam objectivamente definidas.
Para o âmbito estadual, a PNEA cria a Comissão Interinstitucional Estadual de Educação Ambiental (CIEA), que representa a esfera pública da educação ambiental nas 27 unidades federativas do país. Trata-se de um órgão colegial que a PNEA não detalha qual modelo organizacional deveria ser implantado, porém na prática, todas as CIEAs, em maior ou menor grau, estão buscando a participação e representatividade social para debater assuntos voltados às políticas e programas estaduais de educação ambiental.
A PNEA não menciona ainda qual papel deve ser assumido pelas redes de educação ambiental, entre outras instâncias e formas de organização específicas sobre educação ambiental que foram criadas após a sua regulamentação, apesar delas actuarem com o controle social, deixando uma lacuna na gestão desta Política. O Sistema Nacional de Educação Ambiental Amparado pela experiência acumulada com a coordenação da PNEA desde 2003, o Órgão Gestor identificou lacunas, superposições e omissões na gestão institucional desta Política. Essa constatação levou à proposição da estruturação de um Sistema Nacional de Educação Ambiental (SISNEA), cuja proposta encontra-se actualmente em consulta pública nacional.
A proposta objectiva a estruturação sistémica da gestão institucional da PNEA, com o fortalecimento de bases que garantam o empoderamento e a actuação qualificada de instâncias e grupos de forma includente, participativa, descentralizada e articulada, conferindo maior dinamismo à gestão e à implementação de políticas de formação e comunicação em educação ambiental.
O SISNEA pretende responder a necessidade de uma organização político-administrativa, contribuindo para maior articulação entre os diversos níveis de gestão da PNEA, além da pactuação de mecanismos estruturais e competências. O SISNEA pretende também estabelecer a necessária inter-relação entre os sistemas de meio ambiente e de educação, fortalecendo o diálogo entre eles; além de agregar alguns entes de formação que são próprios da educação ambiental, aliando de forma integrada a essência transformadora e formadora da educação ambiental. Colectivos Educadores: um programa de formação de educadores ambientais populares Diversas são as acções de educação ambiental não – formal desenvolvidas no território brasileiro. No entanto, partindo da premissa de se obter uma educação ambiental que efectivamente contribua com a transformação da realidade sócio - ambiental, de forma que as acções locais sejam fortalecidas e a comunidade empoderada, percebe-se a necessidade da implementação de um sistema capilarizado e articulado que fomente e atenda de forma continuada as demandas locais e acções desenvolvidas pelos educadores ambientais em suas bases. Nesse contexto, em 2004, foi idealizado o programa Colectivos Educadores.
O programa de Colectivos Educadores vai ao encontro da demanda da sociedade. A constituição do Colectivo Educador surge como uma estratégia para a implementação de políticas públicas de educação ambiental, uma vez que ela se torna a instância representativa e de referência para as acções e processos educadores locais, sendo esta uma política estruturante que potencializa os actores de forma que o governo federal tenha que intervir cada vez menos directamente na implementação de políticas públicas de educação ambiental, cooperação internacional em educação ambiental. O compromisso assumido pela política externa brasileira, que tem como foco a cooperação entre países em desenvolvimento, e a experiência adquirida na elaboração e implementação das políticas nacionais em educação ambiental, posicionam o Brasil como um actor pró – activo no cenário mundial.
O Brasil tem assumido um protagonismo nas relações internacionais como um todo e especificamente em educação ambiental, em que vai se delineando a tendência do país passar de um receptor de suporte técnico e financeiro dos países desenvolvidos, para exercer um papel importante como doador de experiência e apoiador de países em desenvolvimento.
Esse protagonismo pretende contribuir no sentido de desenvolver actividades coordenadas, sinérgicas e exemplares pelo conjunto de países de regiões geográficas e comunidades linguísticas e culturais para o enfrentamento das questões sócio – ambientais planetárias. Com essa actuação o DEA/MMA está buscando ampliar e fortalecer o diálogo no âmbito na esfera internacional, criando oportunidades de novos e promissores intercâmbios culturais e técnico-científicos frutificarem no planeta.
O governo brasileiro tem participado activamente da construção de políticas regionais, a exemplo do Programa Latino-americano e Caribenho de Educação Ambiental, lançado em 2005, e do Programa de Educação Ambiental da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), que será iniciado em 2008, em que o Brasil tem um papel articulador fundamental na educação Ambiental nos países de língua portuguesa. Um exemplo dessa experiência e parceria é o Projecto “Fortalecimento da Educação Ambiental em Angola”, em que o DEA/MMA assessorou o Ministério de Urbanismo e Ambiente de Angola na construção da segunda etapa do Programa de Educação e Conscientização Ambiental.
Além disso, em Maio de 2006, ocorreu no Brasil a terceira reunião de ministros do meio ambiente da CPLP, momento em que foi criada uma plataforma de cooperação internacional sobre assuntos ambientais. No documento, ficam definidas nove áreas temáticas prioritárias: biodiversidade, combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca, eco turismo, educação ambiental, gestão ambiental marinha e costeira, gestão de resíduos, gestão integrada de recursos hídricos, mudança do clima e energias renováveis. Juntamente com Angola, o Brasil é responsável pela implementação de acções de cooperação na área da educação ambiental.
Com base nesse pressuposto, em 2006 foi elaborado o projecto “Educação Ambiental na CPLP no Marco da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável”, onde se propõe a cooperação entre os países de língua portuguesa para o fortalecimento da educação ambiental. Este projecto objectiva elaborar o Programa de Educação Ambiental da CPLP e criar, em cada país membro, centros de informação e referência em educação ambiental, conhecidos como Salas Verdes. A realização do Projecto contribui para ampliar a comunicação e a troca de experiência em educação ambiental entre os oito países membros da CPLP.
Considerações finais Inúmeras outras acções são desenvolvidas pelo DEA/MMA, embora tenham sido destacadas aqui apenas aquelas consideradas mais relevantes. Contudo, é importante destacar alguns aspectos estruturantes das políticas públicas brasileiras em educação ambiental (com foco no aspecto não formal).
Em decorrência da tradição democrática, desenvolve-se um intenso trabalho de institucionalização e construção da esfera pública participativa no planejamento e gestão da educação ambiental.
Considerando a relevância da mudança cultural em direcção à sustentabilidade, enfatiza-se o desenvolvimento de processos formativos, não apenas em educação ambiental, mas em educação ambiental popular, para que todos tenham oportunidades de acesso à educação ambiental em comunidades de aprendizagem constituídas em espaços e tempos factíveis no quotidiano da população brasileira.
Inspirado no Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, assume-se a vertente crítica, transformadora, emancipadoras e popular da educação ambiental, que tece vínculos estreitos com as práticas sociais e o sócio-ambientalismo, se materializa numa espécie de educação política, com a manifestação da cidadania num agir colectivo na esfera pública, superando a acção individual na esfera privada.
A esse respeito, é importante frisar que os educadores brasileiros, apesar de considerarem bem-vinda a iniciativa da Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, acompanham com certa apreensão a sua instituição. A trajectória histórica da Década está associada ao campo da educação ambiental, e paulatinamente, desde a Conferência do Rio e culminando com a Conferência de Joanesburgo, ocorreu uma alteração no vocábulo utilizado, transformando-se em “educação para o desenvolvimento sustentável”, cujo plano de implementação contém muitos dos preceitos que caracterizam as opções político – pedagógicas já assumidas sob o rótulo de “educação ambiental” no Brasil."
Bibliografia:
Brasil. Lei nº 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Brasília: Imprensa Nacional. 1981.
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Imprensa Nacional. 1988.
Brasil. Lei nº 9.795, de 27 de Abril de 1999. Brasília: Imprensa Nacional. 1999.
Brasil. Decreto nº 4.281, de 25 de Junho de 2002. Brasília: Imprensa Nacional. 2002.
Brasil. Programa Nacional de Educação Ambiental. Brasília: Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Educação. 2005.
Fonte:sibeia.mma.gov.br
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